Considerações sobre obra literária
“O Segredo do
Caleidoscópio”
by Marcos Lopes.
I
O líder dos lotófagos
ordenou que o rapaz fosse levado à sua presença no dia seguinte.
- Teve sorte de não ter
morrido - observou o soberano com sua voz rouca e com os olhos fixos na sacola.
- Nós somos bastante acolhedores e hospitaleiros. Você é bem-vindo em nosso
país, forasteiro, mesmo não conhecendo sua identidade.
- Sou muito grato.
Passei por maus bocados até chegar aqui. Não faz ideia do que já enfrentei.
Tenho ainda uma missão para cumprir e outros desafios para fazer valer uma antiga
profecia.
(Cap.
III, pág. 21)
A pessoa de Marcos Lopes me lembra em
reiteradas ocasiões sua esporádica passagem pela calçada cinemática da Rua
Augusta. O perfil que se vislumbra de sua pessoa é o perfil de adequado sentido
de sensibilidade e singeleza. Embora essa sentença não denote apenas uma forma
de enaltecimento da pessoa do autor de uma obra, ele delineia perfeitamente os
fluxos e influxos da Antiguidade Grega adaptando-a às circunstâncias presentes
e dando– a por entender a essa geração que infere confiança e renovação de
valores.
Sem reservas, de devido direito por
parte do autor de “O Segredo do Caleidoscópio” eis que efetuo uma consideração de sua obra (do latim siderare) seguindo os ditames do reconhecimento, porém abandonando a
passividade, no caso o eu leitor,
inscrevendo um comentário a titulo de potestade literária.
Sua obra seria indicada como Profecia
do Espelho, algo que para o bom observador não lhe é difícil distinguir dada a
relevância do mundo de hoje no sentido da globalização, urbanização e trafego
intenso de idéias. Todos somos espelhos de nós mesmos. Mas o autor se deixa
utilizar pela imaginação impregnada de intuitividade,
expressão esta que designaria o elemento principal da moçada de hoje, dos
jovens, dos adolescentes de hoje que é o universo de pessoas ao qual a obra vai
dirigida. A expressão universalizaria um sentimento dado à geração de hoje. Singra
todos os mares em busca da eloqüência perfeita para um entendimento não
paradigmático da realidade e sim,
para o reconhecimento da vida através do Espelho do cotidiano no viés da
mitologia.
Todavia o autor se debruça sobre o trabalho,
ou de modo superior, a labor de criar no adolescente um hábito diferente; quiçá
a labor que só a esponja faria, isto é, absorver a riqueza da historia e da
literatura e oferecê-la de modo prático e desinteressado, ou então, sem inflas
de academicismo, em direção ao universo adolescente i.e infanto-juvenil.
A obra de Marcos Lopes não possui
redundâncias; ele se esmera em disseminar cultura, riqueza e conhecimento e com
isso inserir os jovens na veleidade que a curiosidade que os noviços possuem em
relação ao conhecimento sobre os nossos antepassados, ora histórico; ora
familiar; ora ontológico para ir à busca de uma identidade. É bem sabido que
identidade é a relação de Espelho dentro de uma nação, de um grupo, de uma
comunidade com objetivos em comum, embora por caminhos diferentes, algo que a
tradição greco-romana deixou como legado para o mundo peninsular, pois não é
novidade encontrarmos rastros de cultura helena nos traços concernentes ao individuo
e à sociedade que permeia a urbanidade interplanetária.
Esse valor que além de vislumbrar
riquezas para si e para o outro é o próprio oráculo onde somos profetas,
autodidatas e devotados; somos nosso século ainda inspirado em antigas
estruturas civilizatórias: “Édipo Rei”, “Antígona”, “Antígona em Colona”, “Medeia”,
“A Celestina” dentre outras obras clássicas helênicas e pós-helênicas que
instaura a heurística do universo humano confrontado com a própria condição que
lhe toca viver.
Descobrir e compreender o mundo
clássico, ou melhor, a junção helenista-judaico-cristã é compreender melhor
nosso presente gênico e histórico; significa compreender nosso universo em
tempo real, suas oscilações, sua movimentação pendular e rotativa além de sua
retórica temporal plasmada na duplicidade de suas formas em pleroma tais como o
dia e a noite, o lado A o lado B, a ponta esquerda e a ponta direita, o que
está em cima o que está embaixo, o que fica trás o que vai à frente, etc. Nisso
o autor de “O Segredo do Caleidoscópio” acertou em cheio ao esfalfar os axiomas
encontrados ao longo da leitura onde o Sacerdote que também era poeta, aparece
como declamador e ao mesmo tempo orador: um noticiador de seu tempo.
Hoje o Sacerdote é o pedagogo que
pode ser artista, recriador de seu
entorno, de seu ambiente, sendo o responsável pelo fenômeno de transformação do
ser em seu tempo. Igualmente ele é o filósofo, o poeta e o analista a alcançar
o ápice da essência de seu próprio ser para tornar-se afável diante das pessoas
que lhe rodeiam.
Seguindo a trilha de Pascal: a natureza é uma esfera espantosa, cujo
centro está em toda parte e a circunferência em nenhuma.
Por isso ler é olhar, olhar a través
do espelho da literatura; é pertencer por uns segundos, minutos ou tal vez
horas a uma circunferência, a uma circunstância. É ocupar o espaço de Cibele,
Démeter, Autora, Febo; pertencer ao trono de Apolo, Zeus e olhar com os olhos
de Ulisses, Ovídio, Diógenes Laércio e Flávio Josefo; é ser um cidadão da
antiga Esparta, um legislador em Atenas, um naufrago em Chipre ou uma Atenéia
de olhos esbugalhados. Um herói enigmático driblando górgonas, monstros e
pégasos livrando um combate a favor da força e da inteligência (perspicácia).
Indubitável que todas essas
instâncias demarcam com suficiente juízo os diferentes rostos da Humanidade.
Cada mito contempla o continuo movimento das massas, cada lenda refrata o
espírito do tempo aqui e agora como
sempre tem sido.
Retratam os deuses a alforria e suas
fúrias demonstrando as oscilações que são partes da própria natureza humana in nillo tempore.
A literatura de Marcos Lopes que
muito mais do que sempiternas imagens caleidoscópicas, ele circunscreve o
ambiente dos estudantes, futuros formadores de opinião e mantenedores da grande
máquina que movimenta o planeta ataviado nos instintos da humanidade: a intensa
busca da pedra filosofal retratado em um frasco
é o significante da busca do ser-aí, isto é, o dáimon do qual tantos pensadores se debruçaram até a exaustão em
explicar.
A obra “O Segredo do Caleidoscópio” contempla
o fim da interrogante da esfinge ainda que sempre se encontrem vestígios de
dúvidas acerca da mesma; qual milênios de assombração e desvelo dando extenso espaço
ao desvendar dos infinitos mistérios da raça humana, portanto, universal. Assim
os átomos de Demócrito estão para a ciência pré-socrática como a esfinge está
para a psicologia e a linguagem.
Daí Plotino enfatizou que quando os deuses enviaram as almas para o
devir implantou no rosto os olhos portadores de luz. E acrescenta
Aristóteles que por natureza, todos os
homens desejam conhecer.
Ora, a Antiguidade Clássica foi
merecedora de tributos e ovações pelo simples fato de ter se apoiado na
literatura na forma da poesia com o intuito de revelar seu passado, de legar
aos futuros um pensamento que em seu tempo teve seu modo de pertencimento e cujos pensamentos
obraram em direção à realidade concreta, todavia, acima do bem e do mal.
O Espelho como continuidade do outro em mim determinando um eu que implica também no outro; notamos, nessa sentença que a
fantasia e a imaginação são a soma total da idéia de espírito e metafísica
fenômeno contemplado nos elementos que atiça a divindade (ou as divindades)
para efeito de simulação (persona) no
paradigma. O ser, um homem continua condicionado
ao real e ao concreto comum a todos os homens que encontramos com o passar do
tempo durante a nossa fugaz passagem pela Terra.
II
-
Agora só basta um golpe mortal, quebrar o vidro azul e “Ele” brindará a sua
morte e a do dragão!
-
O que ganhará se me matar? Que vantagens você levará se o animal encantado
morrer?
(Cap. VII, pág. 79)
O autor na pessoa de Marcos Lopes (ou a
pessoa no autor?) consegue contornar o disposto em linhas anteriores devido a
um fato simples e conhecido por todos: o fenômeno da Arte.
O fenômeno da Arte ou para ser mais visceral no assunto, as causas
fenomenológicas que a Arte produz no ser humano, mote central dessa consideração, é limitado e ilimitado; é
quadrado e oblongo. Sendo limitado e ilimitado ele é produto de um criador,
portanto, infinitamente inspiradora e sujeitas a formas nanogêsicas, infinitesimais.
Cada uma das personagens que habitam nas três histórias possui o
denominador comum de que são personagens de aventura, magia, elementos,
representação e ato intersticiais entre si, pois cada personagem deixa uma
brecha aberta para que o leitor descubra que persona advém de sua personalidade: o frasco azul, o príncipe, o espelho.
Mas nenhum deles são diferentes, pois todos têm poderes mágicos e cada um deles
é um Espelho do eu que é o mesmo do outro, embora frágil nessa fortuna: o
espelho mágico de um caleidoscópio nunca costuma enganar.
É por isso que ler é olhar; é olhar duas vezes: quando se lê e quando se
interpreta.
É o olhar das crianças o segredo da esfinge e a busca do frasco azul o
que entorna a literatura caleidoscópica de Marcos Lopes. Assim também é o
sacerdote protegendo os gêmeos (Castor e Pólux?), é o crime do Mercado da Ágora
e o náufrago de Chipre: três retângulos espelhados conformam um triângulo
mágico, mas que em si não supõe uma triangularidade, pois cada triângulo é ou
isóscele (ao menos dois lados do mesmo comprimento) ou escaleno, dependendo da
óptica do leitor; ao passo que a retangularidade não teria nenhuma dessas três
propriedades.
Daí que nasce este célebre diálogo:
Sócrates:
- que coisa haveremos de olhar para que nos vejamos a nós mesmos?
Alcebíades:
- certamente um espelho.
Sócrates:
- mas nos olhos com que vemos não há algo semelhante?
Alcebíades:
- sem dúvida.
Dado que a óptica das crianças, dos infanto-juvenis que procuram um algo
no viés da literatura que nos oferece Marcos Lopes, o autor como roteirista e
diretor, deixa a guisa esse algo que é a óptica difusa dentro do próprio
calidoscópio em que as crianças e os infanto-juvenis se refletem; para eles só
pode ser achado num prisma retangular que de alhures foi objeto que cimbra nos
mistérios que envolvem sua aura quando perguntam: como é possível que aconteça
isso? Deixa de ser mistério, senão, cientemente previsto, torna-se uma
revelação que desaponta à própria expressividade que envolve a acepção
mistério.
A partir do momento que uma mão se abre através de um buraco cuja
saliência parece lembrar o umbigo, eis que aparece o sonho, o extremo olhar
sobre as coisas da invisibilidade formado por elementos análogos à poesia,
todavia, distantes do entender humano: o sonho desperto, indistinto entre as
multifacetadas concepções sobre sonho desde o ponto de vista da ciência e da
própria alusão empírica que envolve aspectos psicológicos do ser humano alhures
no espelho do comportamento e, se cabe dizê-lo, do manto da loucura em que o
homem se envolve quando decide correr atrás do desvendamento do mistério.
O frasco azul, as crianças, o herói, o sacerdote, a musa todos esses
elementos são constitutivos dessa saga ou odisseia caleidoscópica, como é, então que se deveria denominar a obra de Marcos
Lopes?
É um romance mitológico? É o sonho desperto? É a loucura fidedigna? É um
livro de auto-ajuda abrolhado das ideias milenárias sobre a semente do bem e a semente do mal? É uma
dramaturgia cujo palco é a lânguida
serpente do portal? É a triangularidade de duas janelas ou a superfície de um retângulo em onde se confrontam
o amor e o ódio, a morte e a vida, o alivio e a dor, o claro e o escuro, o joio
e o trigo, o Rei e o vassalo? É a profecia se cumprindo...?
Todos os elementos colocados sobre essa mesa de comentários (e valha que
a mesa mesma ela sendo retangular é ilimitada em sua forma devido ao
cumprimento dos lados) são elementos no qual se depreendem outros valores
elementares menos importantes, mas que tange à engrenagem do caleidoscópio, por
exemplo, o sonho de Hécuba ou a flecha de Filoctetes, constitutivos do gênero,
pois viabilizam a trama, o drama, a lenda e o palco. E é justamente nesses
ditames que entram em junção a leitura, a interpretação e a observação do mundo
para dar uma forma, mensurar os lados que se opõem e aglutinar modos
compatíveis de entendimento humano, este último saber que delineia uma das
eficientes formas de educar já que chama à pluralidade de pontos de vista desde
uma sala de aula formando (sim!) um caleidoscópio.
A flor de lótus representa, ao fim, o caleidoscópio distante da retina,
perto do olho do cerebelo reproduz em repetição seriada amplidões imagéticas
que o pensamento especula ao bel-prazer do instinto e da imaginação, pois não
devemos esquecer que o ser humano in
natura artis ele é instinto e imaginação; duas acepções que a partir da
Renascença viu-se demonizada, mas que graças à literatura e em especial, à
literatura dos clássicos ambientada em nosso tempo, nosso século, tal como o
dispôs o autor Marcos Lopes, ambos significantes tornam-se fator de espontânea
individualidade.
Entretanto, a repetição seriada torna o invisível um espelho mágico,
fim-último de um objeto concreto. Não é à toa que o que foi um dia um simulacro
de fenomenologia hoje são objetos da realidade com múltiplas proporções desde
em que se olha e se exprime nos círculos nervosos cerebrais aprofundando-se
sobre si mesmo até a aquisição do próprio objeto fornecendo a sensação que no
simples toque de pele, uma resposta inquirida.
Creio em suma instância, concordar com um velho amigo Professor de
Literatura Comparada que o livro “O Segredo do Caleidoscópio” do autor Marcos
Lopes deve fazer parte das prateleiras de livros didáticos e que os mestres
devem estar preparados para dirimir entre as ilustrações que os discentes
fornecem, obedecendo a pautas ou, então, perscrutar uma nova maneira de
participação entre a vida do alunado. Uma literatura obrigatória para crianças,
para o universo infanto-juvenil e (por que não?) para os adultos atingindo o
ápice de literatura como, por exemplo, “O Mundo de Sophia” dentre outros que
visam ajudar na formação da geração nos moldes da filosofia, da mitologia, dos
contos de fada, das lendas, da História da Humanidade.
Caberá ao futuro discernir sobre esse
prevalecer fornecido pela literatura nas carteiras dos estudantes para que
cada um faça chegar suas observações (considerações?) ainda que a priori a literatura seja ícone aplicado
como primazia de formação do individuo.
Por outra parte, e enaltecendo o grande labor na pessoa-autor Marcos
Lopes, ele não é apenas um diretor, um dramaturgo, um ator ou um roteirista; na
afamada calçada da Rua Augusta em onde o autor dessas “Considerações” conversou
tantas vezes e que desses fugazes diálogos abrolhou não apenas esse texto,
senão, e ademais, uma referência entre nós.
Quiçá uma amizade de alto estilo dado o respeito mútuo e a consideração
como pessoas criativas, pensantes e artisticamente comprometidas não apenas com
a idade de ouro humana (a meninice), senão que com todo o complexo interativo
que chamamos de sociedade, esperando um dia ela seja o abrigo definitivo para
todos sem que sejam necessários conflitos de águas divisórias. Tange a Arte
compenetrar em todos os meandros dessa mesma sociedade porque é através dela
que superamos todas as nossas diferenças. Disse: através da Arte.
Ludwig Ravest é chileno, escritor, estudou filosofia na Universidade de Santiago e atualmente vive e trabalha em São Paulo.