quinta-feira, 31 de julho de 2014

GALERIA DE COLABORADORES - f o t o g r a f i a - por Bruno Pavão


COLABORADORES - Trecho do livro "A esquina do Mundo" - por Ludwig Ravest

Foto: Sergio Matta
Augustologia: ciência que estuda, sem contornar, movimentos, manifestações, expressões, dos “augustáveis”, humanos que trafegam vivos ou mortos-vivos do nosso século XXI pela Rua Augusta, esta que é uma artéria da grande cidade de São Paulo onde os notívagos mostram tanto a majestosidade de seus pensamentos assim como o obscurantismo das idéias e o desentendimento dos sentidos da realidade. Por outra parte, a espontaneidade, a clareza, a disposição orgânica, as emoções, o vácuo, a falta, a busca, a linguagem mais condescendente com nosso século são imagens profícuas, ou seja, a base do surrealismo que as abona.
   
Não por falar em surrealismo vamos repetir toda a transcendência de esta expressão, obrigando ao leitor ou à leitora a rememorar as antigas versões que a palavra surreal trouxe à tona incorporando os sentidos da existência e a realização dos pormenores que se embaraçam a medida do tempo e as circunstâncias.
   
O estudo meticuloso da Augustologia possui vias de acesso como o click da Cannon, ou o espiral caleidoscópico, ou craquete do Cinema, insinuando, destarte, a incorporação da palavra no instante em que os acontecimentos se sucedem. Não se trata, obviamente, de uma crônica, de um exame exaustivo das personalidades, de uma matéria jornalística, mas sim, é o símbolo do pragmatismo consentido naquelas inconciliáveis lutas entre as forças ativas e reativas e seus oponentes, a afirmação e a negação.
   
O estúdio visa à diversidade humana; cinge o aprofundamento das camadas da personalidade e a observância das superficialidades para, a partir de aí, relevar o cenário natural da rua onde alternam seqüencialmente os personagens nessa informalidade que abre as portas à espontaneidade. O que é diferente no retrato de uma cidade desejada e vilipendiada, ao mesmo tempo, a obcecação pelo prazer e a irreverência da madrugada são o baluarte da salvação.
   
O último escárnio de consciência adquirida vagando pelos meandros da loucura antes do pó, da ruína, do acaso, do amanhecer. Lá o esconderijo onde se afirma o lado ontológico da espécie humana. Viciosos dogmas dos elementos que corrompem, segundo os tradicionalistas, a alma, o corpo e o espírito, aqui conseguem manter um espaço original dentro dos textos “augustianos” sob a óptica do escritor que é seu personagem principal: a mesa 18 do BarH. Edênicos por natureza, os personagens, o escritor, a mesa 18, a Rua Augusta seguem o curso natural que um dia grandes observadores da ciência acabaram por mergulhar em seu transfundo seguindo a trilha das gônadas de enguia, os neurônios espinhais da lampreia e as fibras cerebrais, porém sem os dogmas entabulados em longos e fatigantes escritos.
   
Esclarecedor é avisar aos leitores que naquelas épocas, naquelas cidades do tempo não havia Rua Augusta ou algo similar onde a observação da espécie humana fosse tão evidente e solícita com as buscas formuladas pelos estudiosos. As cavernas, os paraísos particulares, os léus, os parnasos, as pandemias, núcleos de figurações de um presente onisciente refletido em um copo de cristal desde onde emanam os mais altos e baixos instintos. A sensação de desinibição aumenta.
   
Partindo do objetivo que é imergir no labirinto do pensamento e a ação no meio social, os arquétipos humanos, num frenesi devolvem toda a magia que se perdeu quando a “primeira mentira” se instalou nas cabeças e nas casas em nosso tempo atual. Descobre-se cadáveres, sangue, ossos, músculos em busca da saciedade que a panacéia do prazer insiste sempre em motivar as vicissitudes humanas quando o conhecimento da Historia do Homem se encontra desmotivada até a exaustão.

Transforma-se o monstro em espírito superior; relega-se aos últimos degraus conceitos de saúde e doença mental; achincalham-se medidas paliativas, slogans superficiais do mundo convencional, marcas registradas, poeira ideológica, tradicionalismos, etc. Em fim, tudo que é antigo ou arcaico, passa pelas mãos do lixeiro para ser incisado em algum buraco do mundo onde o lamaçal executa o trabalho de mascarar o podre da sua existência. Ninguém em busca de novidades, pois não há necessidade de novidades.

Os amores livres correspondem ao ensejo uniforme da massa que sofre com expectativas nunca projetadas em direção à satisfação de respirar, a alegria de estar vivo, a objetivar o olhar à beleza. Neste paralelo do hemisfério-inferno todos são aceitos, mesmo que a liberdade tão vangloriada seja apenas uma modesta senhora hipócrita que beija o bêbado, o viciado, o hedonista; beija os meninos de rua, os catadores de lixo e o traficante, aquele que não tem lei que o enquadre, pois perfaze a receita para a viagem edênica.

A Augustologia, modestamente, é o estudo de todos os estudos, a ciência de outras ciências, terreno para estagiários com ou sem diploma, a matemática do calculista. É a gesta épica das pessoas que foram até então indivisíveis pelos outros, pelas outras, pelas “nenhumas” das teses acadêmicas. São estas pessoas que dão vida à Rua Augusta e são elas que marcam o pêndulo e transformam-se sutilmente em balanço da situação presente: o mundo, o universo, o cosmos, a galáxia, todo complexo atômico e molecular de nossa dita civilização que atrai para si as cizânias e as elevações viram ensejo a partir da boca dos febris passantes que, como diz um amigo, conformam os coágulos dessa corrente sanguínea que jamais cisma em enlanguescer.

A rota fugaz que demarca o contorno da Rua Augusta, sucedaneamente uma visão paradisíaca em meio à pedra citadina, a perfeita simbiose epistemológica do áureo e do underground além da noite; no escuro o lirismo prevalece, a paisagens quixotescas, a manias garcilescas, as imagens gongorianas, as cavalgadas wagnerianas, belas alocuções que entre o éter e os agentes fumígenos tendem a perder-se, mas antes de esfumar-se pelos ares, a palavra recobra seu valor, pois antes que se dissipe no ar a pluma, o papel e o teclado do PC prontos para resgatar o alto valor da espontaneidade dos seres augustos.

Nessa escrita não vale a critica e nem supõe concorrência a círculos literários de grande porte e menos ainda a afamar-se com grandes condecorações ou louros já que a escrita em sua forma original e onipresente é dedicação ao tempo, a lavra da terra, a colheita das riquezas.
   
Nessa escrita pede-se apenas que somem forças os espíritos que outrora fizeram a labor detalhada de imprimir um tempo que lhes foi dado viver e conviver e que hoje, forjamos entre as pessoas que circundam nosso meio e que, além disso, tudo compenetram na existência de modo que o futuro tendo pertencido a essa gloria da escrita, permeia os rumos que os próximos tomarão depois da consciência adquirida e do valor que o pensamento e o corpo ainda não ganharam.

A Augustologia pede licença, pois nos referimos a homens e mulheres que fora todo artefato que lhe foi imposto para viver e interagir, apenas grandiosidades de outras pessoas que nunca imaginaram nosso mundo.

Por isso é que o aventureiro e o boêmio nunca a moda apagaram (nem apagarão), porque graças a eles muitos sabem (e saberão) que se pode pensar onde ainda não somos; que podemos ser onde ainda não pensamos.





Ludwig Ravest é chileno, escritor, estudou filosofia na Universidade de Santiago e atualmente vive e trabalha em São Paulo.

POUCAS & BOAS - "Exagero?! Veste A Pele Do Povo!" - por Tito Oliveira

Escutou-se muitas objeções sobre medidas emergenciais do Governo na importação de médicos cubanos. 

Tudo bem, se pensarmos, unicamente, por meio do ponto de vista do Jornalista Francês quando afirmou que o governo brasileiro priorizou a importação dos cubanos ao invés de formar bons médicos brasileiros. 

Por Tito Oliveira - Instalação da série Influência Indireta
 - Biblioteca Para os Desavisados
- vínil adesivo sobre MDF - 178x90x15
São Paulo - 2009
Bom, digamos que para isso seria preciso, 500 anos antes, equilibrar a distribuição de renda e romper com o cartel comercial entre academias de "nível superior" aqui vigente?! Ou não?!

Ou alguém não entendeu que como a educação seria um golpe numa espinha dorsal da torre de babel que é a corrupção, a saúde pública funcional seria como uma flechada no calcanhar de Aquiles para o clero luxuoso dos doutores da medicina?! 

E qual o problema com os cubanos se os médicos no Brasil não atendem e deixam morrer nos corredores?! 

Ou preferem pagar R$200 reais por uma consulta de 20 minutos num particular barato?! 

Assim também foi a moda com objeções por conta da importação de policiais cubanos para a Copa. 

Vamos lá: 

A tradição em Cuba, entre os policiais, que em sua generalidade não são analfabetos funcionais, quando afrontados por um infrator ao ler seus direitos, pergunta se este quer brigar, tira o uniforme e ambos brigam como dois cidadãos comuns. 

No Brasil um policial não lê seus direitos e sai dando porrada por todo seu corpo, gratuitamente, apenas porque ele pensa que você é um "plaboy" universitário que fuma maconha. 

E só depois perceberá que você nada tinha a ver com a situação em questão. Assim sendo, o que preferem, policiais baianos, paulistas, cariocas?! 

Se fosse o FBI estaria todo mundo feliz, ainda que seus agentes sejam, em grande parte, racistas. 

Saúde e segurança pública no Brasil são tão insultuosos quanto extermínio em massa.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

"O Terror da Insensatez Diplomática" - por Tito Oliveira

Trânsito no Centro de Barcelona,
cidade da Espanha com quase 3 milhões de habitantes
 (Foto: Tito Oliveira) 
Para ter uma vida mais saudável em países como o Brasil, que ainda transita por um retardado subdesenvolvimento, é mais viável quando se vive em cidades do interior.
É claro que em questão está um país com proporções gigantescas, territorialmente falando. Por outro lado sua população também possui grande densidade, cerca de 200 milhões de habitantes, com probabilidade de erros para mais ou para menos. E como este provém de uma economia instável, salvo os inúmeros e incompreensíveis motivos que implicam em tal instabilidade, é aparente a já tradicional má distribuição de renda. O que induz maior concentração populacional em regiões onde encontram-se os mercados de maior potencial.
A contingência consequente desta realidade contribui para um equívoco incondicional sobre valores e prioridades, que resulta na negligência perante necessidades e direitos humanos. Portanto o caos.
Com o tempo em grandes centros cada vez mais desproporcionalmente valorizado, vide reflexões de antropólogos como Claude Lévi-Strauss ou filósofos como Michel Foucault, entre outros, a ausência de bons gestos no cotidiano de populações que experienciam metrópoles ou megalópoles, nos posiciona distantes do conhecimento para a importância do respeito entre as interações humanas. O que nos torna inconscientemente deprimidos.
O Brasil tem emergencial necessidade em estruturar setores como educação, saúde, etc. E é claro que esses são pontos fundamentais para um melhor entendimento cívico. No entanto é preciso entender que, quanto mais se justificam questões delicadas em meio a convivência social; ancorando-se na falta de melhor estrutura no país, o tempo pressiona e nada se transforma. Agravando-se ainda mais o que já é negativo em prol da inércia. 
Com base na delicadeza de tais fatos que se faz preciso alertar para a relevância em tomar medidas mais emergenciais. Começando em cidades menores, onde a densidade populacional se faz consequentemente menor. Logo, mais viável.
Se pensarmos na Europa, por exemplo, perceberemos que onde se vive melhor são em países de menor densidade populacional. Ressaltando que a comparação entre cidades do interior brasileiro com cidades pacatas europeias não é, em seu todo, adequada, uma vez que isso envolve tempo de existência, cultura e tradição. O que naturalmente altera comportamentos nas diferentes extremidades.
Se tratando de Brasil, e tendo em consideração a noção dos diferentes estados quando se vive socialmente em capitais ou em cidades do interior, a atenção para a qualidade de vida se faz mais gritante. Já que no interior se tem o privilégio de respirar um ar mais puro, de alimentar-se com uma comida mais orgânica, ou de se relacionar com demais cidadãos de maneira mais amistosa e cortês, ainda que não os conheça. Estes são os aspectos positivos de uma cidade pacata, entretanto, a face negativa se dá na banalização dos contratempos. Tendo como consequência uma violência incompreensiva, que na generalidade se faz oriunda da ignorância ou exclusão social.
É óbvio que não haverá como solucionar tal realidade sem antes cuidar do que já sabemos: educação, economia, blá, blá, blá... E nós, brasileiros, temos, enquanto caráter, grande dificuldade de aprendizado. Já que refuta-se tipicamente a aceitação do que é consensual em favorecimento do que encontra-se entranhado em nosso hábito. O trânsito por aqui comprova o fato.
É preciso começar por algum ponto. E já que no Brasil o trânsito é onde se tem mais acidentes consequentes de mortes, deve-se imprimir mais atenção e urgência em transformar o catastrófico perfil.
O motorista brasileiro age com o estômago quando está dirigindo. É imprudente e entende a posse de um automóvel como poder e não como meio de transporte. O que o estimula, ao enxergar um pedestre em longa distância tentando atravessar uma faixa de sua preferência, acelerar o carro (ou moto) para apressar os passos do mesmo com o impulso do terror.
Em cidades interioranas, que são menores territorial e populacionalmente, existe um expressivo crescimento na aquisição de meios de transportes por cidadão, sejam estes automóveis, motocicletas ou simplesmente bicicletas.
Estas cidades possuem ruas e avenidas comumente menores. Onde é necessário maior atenção, pois existe a cultura de crianças brincando livremente nas ruas, o que é bonito e já não existe em grandes centros. Contudo é necessário preservar. Tornando urgente uma maior contenção nos condutores de veículos quaisquer, com medidas mais eficazes por parte das autoridades públicas. Compreendendo que o crescimento implica na organização.
A cronologia se daria primeiro na necessidade de melhor sinalização, seja esta para condutores ou para pedestres, sobretudo mantendo a integridade das faixas e semáforos. Além de ser necessário insistir em campanhas de educação no trânsito como auxílio. 
É incompreensível, em caráter de organização, não haver semáforos ou faixas de pedestres em cruzamentos de ruas e avenidas. Ainda que em cidades menores o fluxo no trânsito seja indiscutivelmente menor, é preciso organizar. Ou então estaríamos atordoados por pensar que no interior do Brasil se pode dirigir carros com a mesma ausência de sinalização que tem Nova Deli, na Índia. O que seria uma bobagem, já que o estado de espirito do brasileiro é compulsivo.
Lagarto, cidade da região Centro Sul do estado de Sergipe, possui aproximadamente 100 mil habitantes e tem grande parte da população conduzindo um veículo, o que se faz expressivo para uma cidade pequena. Simão Dias, cidade vizinha no mesmo Estado, que tem ainda menor densidade populacional, deve ter ainda mais cidadãos em posse de um veículo. A quantidade de graves acidentes envolvendo carros, motocicletas e até animais, por semana; nas duas cidades ou no trajeto de uma para a outra, é tão assustadora quanto os bombardeios no Oriente Médio.
Uma vez não sendo toda reflexão apresentada por meio de vivência recorrente, suficiente para estimular consciência sobre a educação no trânsito, é preciso maior rigor perante a imprudência. E se existe algo que faz o brasileiro conter seus impulsos é quando o assunto toca em seu bolso. Medidas como multas de valor alto por infração, com curto prazo de pagamento, acarretando em prisão preventiva mediante falta deste, não solucionará, mas reduzirá expressivamente o número de acidentes oriundos da indisciplina. Sendo de mais fácil aplicação em cidades menores.
É certo que diante disso pensarão em negligência judicial, com mais austeridade para uns do que para outros. O que se faz um fato. Porém atualmente possuímos suportes, como a tecnologia, que auxiliam na comprovação de fatos em tempo real. E não havendo fiscalização por parte do poder público, nós mesmos, cidadãos, temos o poder e o direito de fiscalizar. Do contrário, só nos resta ser permissivos ao igual começo na construção de realidades caóticas em grandes cidades que, um dia, já foram pequenas. Ou o melhor mesmo seria manter-se calado. 

COLABORADORES - "Cada Carona Um Caso" - por Ludwig Ravest

Carona nunca me faltou. Não é igual dinheiro que tem que estar todo dia correndo atrás dele.

Não sei. Por que motivo? Qual fim? A quê se deve tudo isso? Por fim atendi o chamado da voz que me dizia: "O trabalho é um sintoma neurótico para atingir algo obsessivo".

Até aí tudo (bem ou não?.....). O caso é que carona nunca falta e cada carona é um caso. 

Depois de um breve questionário começam a surgir temas de conversação para passar o tempo e a viagem. 

E surgem os temas: 

- Eu disse para os meus colegas de trabalho que a criminalidade é hereditária e todo mundo ri de mim. 

Me fala a moça do Ford K que trabalha na Penitenciaria de Porto Alegre. 

O motorista do caminhão diz ser apaixonado por Gabriel o Pensador (é pra rir ou pra chorar?)... 

E assim vamos adentrando no RS. 

O motorista de Uruguaiana que brigou com uma mulher com a qual conviveu 14 anos quer encontrar os amigos, jogar bridge num boteco argentino e beber cerveja Quilmes. 

O casal que briga o tempo todo numa estrada rasteira e murcha pela má conservação, um homem que alega que foram três os macacos que criaram o Homem enquanto diz que é apaixonado por carros e viagens, porque a vida é curta. 

Por fim, um amigo estudioso do Osho, "Trigueirinho", e outras teorias esotéricas. 

Quero ver o que vai ser até Buenos Aires essa estrada, pois são tantos os temas a tratar numa carona que me detenho a rir para simular minha compreensão que somente servem aos temas para passar o tempo e a viagem.

Ao chegarmos ao lugar de destino, me despeço, agradeço, desço e mudo de endereço pensando na crença exata de um maluco que dirigia pelas estradas, sem carta, para demonstrar como a "fé é científica".




Ludwig Ravest é chileno, escritor, estudou filosofia na Universidade de Santiago e atualmente vive e trabalha em São Paulo. 



terça-feira, 29 de julho de 2014

Civilização Humanamente Demasiada - por Tito Oliveira

Por Tito Oliveira - da série "Enscenario Para Perros Y Desmembrados" -
nanquim sobre papel vegetal sobreposto -
45x30cm - acervo da Fundacion Spai Fonta -
Barcelona 2010. 

A guerra entre Israel e Palestina nos faz analisar que a desenvoltura dos acontecimentos no Oriente Médio e nos demais cenários de ações terroristas pode ser interpretado como um ataque específico para o mundo contemporâneo. 

Neste sentido, nos compete o entusiasmo de uma violência desesperada dos que se encontram dispostos a sacrificassem em prol de um ideal ético-religioso. 

Parece-me incontestável que um dos aspectos essenciais dos conflitos em questão antre ambos inimigos reside em um plano de secularização de nossas sociedades. 

É difícil decifrar as reais causas que desenvolvera tamanha complexidade, da qual conhecemos exclusivamente a vertente remanescente: rivalidade medieval entre o paganismo e o império, além da reforma protestante, não sendo necessário discorrer sobre as demais etapas da secularização de sociedades europeias. 

Essa atitude, que na década de 30 caracterizava intelectuais como céticos e fazia destes uma autentica Classe-no–Classe, capazes do rompimento com ideologias quaisquer, se traduz em geral no consumismo de cidadãos que consistem na grande massa. 

Tal consumismo é direcionado tanto para a matéria quanto para a in(e)formação, ambos devidamente condizentes com os pacotes industrializados que constituem o globo terrestre. 

Nietzsche escreveu que “somos materiais de uma sociedade”, afirmando em metáfora que nosso grau de caracterização individual corrompe a fragmentação da hegemonia e estabelece uma hierarquia composta por superiores e subalternos, contribuindo para o caráter heterogêneo no poderio e/ou subserviência das nações. 

Esta é a exata situação de um individuo da grande massa em nossa sociedade, baseado em que muitos desses se fundamentam; no ponto de vista econômico e social, no principio de homologação de seus custos (dentro de seus alcances ou não), de seus comportamentos e de seus valores. 

Como as sociedades antigas, infelizmente, em muitas de suas características comunitárias tradicionais, tal homologação de custos, se dá, em verdade, em associações e/ou relativas a valores individuais. 

Não seria esse tipo de atitude que nos leva rumo aos valores individuais e nos capacitam a respeitar os países considerados absolutos um dos fatores determinantes do declínio de nossa civilização? 

Estaríamos então expondo os valores ao declino das civilizações? Ou, melhor dizendo; não seria mais interessante inverter essa última expressão e falar de uma civilização em declínio? 

Este é um assunto delicado, pois o mundo em que vivemos considera obrigado expressar-se em termos de desenvolvimento. Prevalecendo a ilusão.

Se refletirmos a questão dos valores inevitavelmente nos depararemos com o caráter de secularização, sobretudo se tratando da secularização não consumada dos denominados países de terceiro mundo, nos quais se origina o terrorismo que nos ameaça, ou, talvez; pensemos que não, pois convivemos com terrorismos em todas as partes dessa entropia social. 

A impressão que tenho é que somos condicionados a creditar o mito historicista do processo linear, segundo o qual as sociedades de terceiro mundo deveriam seguir avançando e alcançando o nível dos países subdesenvolvidos ou desenvolvidos.  No entanto, não seria tudo isso mais um mito simplificador? 

Podemos nos referir aos países de terceiro mundo, estigmatizados por numerosas conseqüências de dominações coloniais, como incapazes de desenvolver uma burguesia etimológica suscetível de dirigir países de recente independência sem subscrever o eurocentrismo disfarçado de secularização não consumada, ou a ideologia universalista dos anseios humanos definidos por nossas organizações internacionais? Podemos encontrar um terceiro viés entre o eurocentrismo e o universalismo? 

Poderia ser uma negociação explícita que respeitasse as diferenças entre as tradições, sem depreciar as demais. Tal ação deve amadurecer, em primeira instância, entre nós, para evitarmos cair no erro de pensarmos que a única forma de transgredir aos assaltos de grupos ou sociedades fundamentalistas é retrocedermos ao próprio fundamentalismo. 

Talvez seja certo que o romantismo da situação reside em nossa maneira de vivermos tais valores. Nos dias atuais, a força e a vulnerabilidade do Ocidente se encontram no fato de que eles já não acreditam nelas, enquanto nossos adversários são fanáticos e dispostos a morrer, sobretudo, morrer para matar. 

Cair em tamanha tentação de voltar à violência, ao caos, significaria, em latim; propter vitam vivendi perdere causas. Ou seja, sobreviver na condição de desistir do que constitui nossa vida, não no sentido biológico, mas nos sentidos éticos e biográficos. 

A secularização não consumada é, literalmente, um fenômeno que mais nos preocupa. Isso não significa que devemos renunciar por completo a ação militar em nosso modo de agir, mas, que devemos tomar consciência de que, quando as armas se convertem em uma única solução, estão esgotadas as possibilidades de nos resgatarmos da estupidez. 

No momento em que colocamos em risco a nossa própria vida, nos submetendo à derrota militar ou à continuação de insegurança, que sofre, por exemplo, a Palestina, condenada a ser uma civilização em declínio, nos opomos a única possibilidade de evitar as condições para um terrorismo em massa. 


COLABORADORES - CHARGE - "Anão diplomático" - por Rogério Bonifácio


CINEMA - "Feliz Natal" - por Tito Oliveira

Estreias sempre suscitarão maiores expectativas na crítica e no público, em especial quando se trata da transição de ator para diretor de cinema. 

Isso não significa que a partir do momento que passa a ser diretor é preciso dispersar-se da continuidade numa carreira de ator. Não querendo insinuar que esta seria a ideia do então ator Selton Mello ao apresentar sua primeira direção no cinema. 

Envolvido em projetos simultâneos Selton é provido de uma carreira com histórico de atuações primorosas, a exemplo de "Lavoura Arcaica", 2001, de Luis Fernando Carvalho, e "O Cheiro do Ralo", 2007, de Heitor Dhalia. Nos apresentando expressivos traços de suas vivências na direção de Feliz Natal, além de equacioná-las, em principio, à nuanças que referenciam o conceitado Andrei Tarkovski. 

Feliz Natal, 2005, surgiu ironicamente em um período natalino e me fez apreendê–lo como uma justaposição do intuito do novo diretor a uma denominação especial que classificou as obras de Aristóteles, uma vez que como livros que tratam da filosofia primeira, o drama dialoga com o espectador através de uma metafísica. Isto é, percorrendo por uma investigação do ser enquanto aquilo que realmente é. 

O filme inicia com uma extensa ausência da fala, que por sua vez enaltece a boa captação de som na manipulação de objetos e nos movimentos dos atores. Essa passagem é regida por uma fotografia que me parece aludir a atmosfera concebida pela pintura surrealista do belga René Magritte, pois sugere a visualização de uma penumbra sobreposta a luz e constrói uma espécie de enigma na apresentação da face de um personagem que já se mostrara estigmatizado. 

Influências fazem-se ainda mais aparentes quando o drama começa a se desenvolver através da surpreendente aparição de Caio (Leonardo Medeiros) na festa de natal de sua família psicologicamente desestruturada. Tornando possível perceber a predominância dos planos fechados, muito explorados por diretores como Ingmar Bergman. 

Ao ver Feliz Natal o espectador tem a sensação de que paráfrases como "Feios, Sujos e Malvados ", 1976, de Ettore Scola, estão presentes em sua memória. Pois temos na direção de Selton Mello um exemplo também contundente de como vivemos em um sistema social que nos manipula com crenças ilusórias para disfarçarem a nebulosidade de nossa verdadeira essência. 

Assim fora constituída uma escrita que mescla significado e transcrição sobre a importância de celebrar o “nascimento de Cristo” não apenas como forma de reunir uma família e trocar gestos carinhosos através de pequenos presentes, mas, em suma, por aproveitar uma ocasião que mais evoca tudo que se encontra de mal resolvido entre os familiares e lavar a roupa suja. 

Embora o diretor não tenha se dado conta de um pequeno excesso em algumas cenas, os entrecortes na montagem e a fragmentação das situações evitaram, inteligentemente, qualquer proximidade a uma reverberação cinematográfica. 

Através da perspectiva que nos apresenta a consequência do rompimento numa união matrimonial fracassada, composta por uma mãe alcoólatra e um pai arrogante, é que começamos a entender a complexidade nos comportamentos infelizes dos herdeiros dessa má elaboração de vida, que exalam traumas, eufemismos, frustrações e muita culpa. 

Em meio ao plural de ingredientes, coesos a mais uma feliz seleção de elenco; resgatando esquecidos nomes como Paulo Guarnieri, somos contemplados com uma grande provocação cinematográfica. Emitido por um artista que sugere, caso assim prossiga, mais uma promissora carreira no cinema brasileiro. Este que se impôs em um novo posto como agente de densas reflexões e nos prova que, quando a arte analisa a condição humana, não devemos portar-nos indiferentes, mas, ao contrário, é preciso irmos de encontro a seu registro. 

sexta-feira, 25 de julho de 2014

POUCAS & BOAS - "A Espinha Dorsal da Soberba é Torta" - por Tito Oliveira

Por Tito Oliveira - desenho da série "Enscenario Para Perros Y Desmembrados" -
nanquim e piloto sobre papel vegetal sobreposto -
45x30cm - acervo da Fundação Spai Fontana -
Barcelona 2010.

A Copa do Mundo é um conceito esportivo promovido com o aval da maior produtora de evento do mundo: a FIFA. No Brasil a eventualidade deu-se em meio à ilusão de transformação social sem antes compreender a importância da gestão para a continuidade do "investimento". 

A clara dificuldade de entender o quão relevante se faz o planejamento estende-se, obviamente, ao futebol. 

Era aparente, desde 2013, que a performance a ser apresentada pela Seleção Brasileira continha fortes traços de limitações e fragilidade, tanto em campo com jogadores desprovidos de talento quanto em sua comissão técnica obtusa. 

O esquema tático brasileiro para esta Copa consistia num saudosismo descabido e de atletas pré-fabricados enaltecidos midiaticamente por uma emissora inescrupulosa, que ancorava-se na pífia conquista de uma competição pré-Copa onde artilheiros de uma única partida já garantiam suas vagas.

O ufanismo da torcida nada mais é do que a explícita comprovação da ausente capacidade sensitiva e intelectual de uma sociedade que se faz apta a decodificar um vírus em um organismo apenas quando o corpo se expressa depreciado. 

Qualquer semelhança de tal característica com o distanciamento para o bom senso na escolha de uma liderança política, por meio do "democrático" voto, nada tem a ver com ironia. 

A notícia "boa" é que agora sabemos o que pode, enfim, envergonhar o povo brasileiro, uma vez que o desprezo para a educação e condições básicas de sobrevivência não lhes diz respeito. 

terça-feira, 22 de julho de 2014

COLABORADORES - c h a r g e - "De volta a estaca zero" - por Rogério Bonifácio


"Dormência de Pele" - Por Tito Oliveira

Por Tito Oliveira - Da série Herméticos - "Contemporâneo"
 - óleo sobre madeira - 169x95cm - Coleção particular - São Paulo - 2010


Almoçava em um restaurante popular e fazia-me obrigado a assistir o noticiário do meio dia na edição do Jornal Hoje, da rede Globo. 

O telejornal apresentado por dois fantoches contaminados com o câncer reacionário, e que sorriem igual a duas hienas amebas, nos mostrava uma matéria que dizia respeito ao que os turistas pensavam do Brasil quando aqui estiveram durante a Copa do Mundo. 

Uma das observações tratava de como o povo brasileiro é festivo e simpático com os turistas. Assim sendo, analisaremos o grau de honestidade aí envolvido. 

Digamos que só se a cortesia for restrita aos estrangeiros europeus, já que a ideia de intercâmbio com o velho mundo é convidativa ao deslumbre e interesse de uma sociedade, na generalidade, vil. Entre nós brasileiros, ou entre turistas de nacionalidades pobres, cidadania e/ou civilidade beira ao inexistente. 

Diante do traço em questão, resta a dúvida: como é possível haver honestidade na educação e bom gesto de um pai de família perante seus amigos se este pouco respeita sua esposa e filhos?! Questionável. 

Em seguida enaltecia-se a falta de austeridade nas regras dos serviços públicos aqui prestados, quando em depoimento uma asiática dizia que em seu país era obrigatório, ao solicitar o transporte público, estar portando dinheiro trocado. Assim sendo, pergunto onde reside vantagem em adornar flexibilidade no caos?! Fácil de responder. Quando não existe consciência de que em quaisquer crescimentos sociais implicam na necessária organização. 

A última e mais curiosa reside em como os europeus, argentinos e americanos desfrutavam da praia. Estes sentem mais prazer ao posicionarem-se de frente para o mar e de costas para o sol, o que lhes é atribuído maior tranquilidade espiritual ao contemplar a energia do oceano e os protege de um possível câncer, já que evitam a exposição incessante ao sol. Os brasileiros, por sua vez, preferem posicionarem-se de costas para o mar e frente para o sol. Um dos entrevistados, canadense, ao ser perguntado sobre tal característica no brasileiro, observou que entendia o quanto estes eram vaidosos. Bom, melhor não nos prolongarmos muito sobre a aparente ausência de inteligência em tal contexto. Ou não?! 

Não sei explicar muito bem o que se passa em nossa natureza. Talvez tudo seja decorrente da resistência indígena, diante de sua inserção no âmbito "civilizado", em simbiose com a falta de veemência e pouco escrúpulo dos portugueses, durante a lamentável colonização das terras tupiniquins. O que resulta na indigesta análise dos respectivos apresentadores, tendenciosos ao fim da matéria telejornalística, quando afirmavam ter sido uma boa imagem passada pelo Brasil ao resto do mundo. E que isso significaria o retorno dos turistas ao país, já hipoteticamente inflacionando a economia. Dígamos que quando estamos indolentes, notar distinção entre diplomacia e realidade se faz quase equivalente à pintura surrealista.

sábado, 19 de julho de 2014

POUCAS & BOAS - Espelho Meu - por Tito Oliveira

Por Tito Oliveira -
da série Composto de Um Tempo Documentado -
 "Língua Solta" -
gaiola, língua de boi, plástico rígido, papel e palito -
dimensões variáveis -
Sergipe - 2014. 


É fácil culpar o Primeiro Poder e se auto-imunizar na participação direta que potencializa o declínio dobem estar em comum senso. O Homem, enquanto existência é, antes, ação. 

Limitar-se à pequenez em apontar o dedo com a típica falácia: "É culpa deste, daquele!", não possui aspecto plausível. Identificar o erro, conhecer sua causa e buscar solucioná-la, para quê?! A preguiça intelectual e ausência de bom senso não permitem. 

A questão da última e remanescente inflação no Brasil se faz exemplo claro do que quero dizer, uma vez que em grande parte a mesma fora suscitada por nossa aparente cultura de ostentação. 

Explícita prerrogativa no setor empresarial, que provido de aval no poder público transita como bem entender com benefícios a seus favores; nos apresentando exorbitantes preços em seus produtos é, também, responsabilidade da sociedade enquanto consumidora. 

Ou seja, se uma padaria expõe preços desmedidos perante a realidade mínima salarial do país e o consumidor submete-se em fácil aceitação, o comerciante que provia de preços mais adequados reflete: "Aquele concorrente da esquina é absurdamente caro e ainda assim vive transbordando em número de clientes. Bom, já que isso é atrativo, também aumentarei os preços de meus produtos". Óbvio! 

Logo, enquanto a sensatez for desprezada por uma trivial necessidade em ostentar posição social é possível reclamar de inflação?! 


Estamos em ano de eleição presidencial e será mais uma vez posto à prova a capacidade de análise do eleitorado brasileiro. Pesquisas tendenciosas já se manifestam a favor e contra seus candidatos ou oponentes. Uma grande revolução foi expressivamente constituída, desde a gestão de Fernando Henrique Cardoso, com reeleições vigentes. Portanto é preciso ser muito criterioso em suas crenças, uma vez que, caso haja equívoco na suposta opção, serão quase dez anos de uma vida enclausurada no descaso.