quinta-feira, 9 de julho de 2015

REDAÇÃO - r e l a t o p e s s o a l - "O Acaso Pode Ser Ocaso Se O Caso Permitir" - por Tito Oliveira

Por Tito Oliveira - desenho da série Anatomia Inquieta-
carvão sobre papel - 30x45cm - São Paulo 2007
Talento sem sensibilidade pode equiparar-se, em grosso modo, a nunca ter usado um jeans surrado com uma simples camiseta branca numa primavera qualquer, sentindo-se atraente pela primeira vez.

Apreender a linguagem da vida é como por-se apto a demonstrar os mais habilidosos gestos com devida maestria.

Estive sem telefone celular por quase um ano.

Pouco senti falta.

Inconscientemente, me veio uma vontade de experimentar até quando suportaria viver sem o mais incisivo karma contemporâneo, por assim dizer.

Ao conhecer uma nova moça, esta perguntou-me se tinha WhatsApp.

Respondi-lhe que não.

Quando logo disse-me que por isso tudo bem.

No dia seguinte, a caminho do trabalho, por espinhosa circunstância, fui obrigado a desistir do trajeto e me ausentar no expediente.

Assim também dei-me conta de que não havia como avisar a empresa, ou como confortar meus colegas quando sentissem minha falta,

Passei a me sentir desnudado em meio ao caótico dia.

Um novo dia surge como extensão do estorvo, porém menos austero e mais sugestivo.

Pois um amigo apareceu ofertando-me um aparelho celular.

Subitamente pensei que não haveria ocasião melhor para a compra.

Comprei!

Entusiasmado, passei meu novo número para a nova moça que conheci, amigos mais próximos, familiares e trabalho, obviamente.

Poderia passar o número para demais pessoas, porém preciso dizer que a tormenta teve extensão até aqui, já que não possuo mais celular.

Ao deparar-me com o novo dissabor, meu desejo era esmurrar a primeira parede que encontrasse.

Simultaneamente refleti que ao esmurrar a parede, além de me encontrar sem celular, ainda poderia estar com uma grave lesão na mão.

Então comecei a restaurar-me, pois me senti bem com o fato de poder refletir numa situação de pressão.

Acrescentando o fato à memória sobre ter tido um dia muito difícil com uma das classes na escola que ensino.

Onde ao apresentar suas questionáveis notas, a reação era quase exclusiva de insatisfação e repulsa, desinteresse.

O clima então instalou-se como um dos mais hostis, desde que leciono nesta escola.

A turma de adolescentes deixava ainda mais evidente o distanciamento que possui sobre a compreensão do que significa o posto de professor, ou o posto de aluno.

Um pouco mais agravante foi notar que não estavam com a mínima noção sobre a importância da boa relação entre ambos, sobretudo para suas formações.

Por outro lado, nada como a dificuldade para saber o quão preparado se encontra quando envolto ao arame farpado de nossa sociedade.

E ao invés de reagir também hostilizando-os, medida, talvez, mais fácil, ou me deixar tomar pela emoção, os convenci, através de argumentos, que o respeito era o pilar das mais saudáveis relações. E que mais nobre por vossas partes seria o pedido de desculpas.

Assim fizeram e, acreditem, os semblantes não eram de insatisfação.

Neste dia não me foi possível desenvolver a aula de redação, no entanto a boa notícia foi um aparente entendimento coletivo, sobre todos terem saído daquela sala com uma grande sensação de aprendizado.

Á noite um casal de amigos convidou-me para jantar num mexicano, situado no bairro que moramos.

A caminho encontrei uma amiga americana que vive no Brasil e sua adorável filhinha.

Estendemos o convite às duas e fomos todos degustar de bons tragos e petiscos, a sorrir da minha hermética relação com o celular de corpo efêmero.

Quer dizer, reclamar para quê, se nunca estive tão orgulhoso ao desenvolver um texto?!