quinta-feira, 21 de maio de 2015

COLABORADORES - Considerações Sobre O Cinema Argentino - por Ludwig Ravest



EL CAMINO
                      
              (O CAMINHO, Javier Olivera, Argentina, 2000), o impresumível retrato de um encontro)



Um jovem, após uma delonga com sua mãe acerca do paradeiro do seu pai, foge de casa em sua motocicleta para ir em busca dele. Permeia durante toda a trama inicial do filme a procura da identidade, levando-o a um destino presumível ainda que o caminho descortina-se inóspito nas paragens do sul da província de Buenos Aires até os limites que delineiam o umbral da Patagônia com suas lhanas solidões e as exegeses da cultura local tacitamente imposta aos aventureiros.

O filme aponta ao conceito natural e biológico de homogeneidade, intrínseco à permanência da dimensão espacial, à estrutura axial do grupo familiar através da metamorfose do crescimento psicofísico e à questão têmporo-emotiva, satisfazendo a necessidade de encontrar seu outro que o jovem nunca conheceu, porém que pulsa nas veias o ensejo de identidade paterna que a evolução traz no bojo.

Manuel (Ezequiel Rodríguez)completa 20 anos e sua inquietude transforma-se em ensejo, aquilo que foi exposto. Ao não encontrar uma resposta ele sai ao mundo em sua motocicleta. No trajeto, circunstâncias que oscilam entre o romance amoroso e o policialesco se cruzam em seu caminho. O duplamente relativo caminho em busca de torna-se um pesadelo para Manuel. Na medida em que este jovem, sendo testemunho principal de um crime perpetrado por abuso de autoridade policial, neste caso a morte de Moncho (Hector Anglada), um jovem provinciano que se envolve em brigas de rua e que acaba confessando a Manuel o porquê dessa vida nada afoita às legalidades sociais, este sente a necessidade de ser não apenas aquele que busca senão e também aquele que foge. Manuel foge do Sargento Ferraro, uma perfeita interpretação do carrasco do ator Daniel Valenzuela.

Carolina, uma aprendiz de fotógrafa interpretada pela grande atriz Antonella Costa, se apaixona por Manuel e em uma tentativa de fugir dele e de toda a situação na qual ela indiretamente se vê envolvida, retorna aos braços de Manuel para juntos, empreenderem a longa jornada de emancipação de dois fatos relevantes no filme: o encontro de Manuel com o pai e o esclarecimento do crime do Moncho.

O filme possui um minimalismo fora do comum, ora, pela fotografia que retrata paisagens típicas do sul e sudoeste argentino, ora, pelo tom de romantismo ao estilo Fassbinder, ora, nos poucos diálogos, mas concisos em onde a sensualidade de Manuel e Carolina, a nudez e seus entrelaçamentos se situam em uma postura metafórica: a virtuosidade do encanto e da pureza. Além da alicerçada tradição indígena mapuche no qual, sem essa coisa metafísica, aparecem como divindades que se colocam acima do bem e do mal. Também, por que não, pela superstição inocente de motoqueiros que se reúnem no inicio e no fim do filme para encarregar a Santo Cristóbal, padroeiro dos viajantes, a que a “culminância” dos fatos e feitos cheguem não a um final feliz senão mais bem baseado numa lógica que é da própria existência (ou que deveria ser) a que estamos compelidos, a uma solução justa dos encontros e à não-realização do extremo de uma fuga, isto é, à fuga de cada um de nós nos labirintos de Dédalo, na ruptura com os minotauros sociais e individuais. Vale a pena conferir!


Ludwig Ravest é chileno, escritor, estudou filosofia na Universidade de Santiago e atualmente vive e trabalha em São Paulo.

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