segunda-feira, 24 de novembro de 2014

COLABORADORES - cinema - c r í t i c a / d i c a - "Tiempos De Valientes" - por Ludwig Ravest

Seguindo a rota do buddy movie, encontramos um filme cuja assertiva principal seja a da busca de heróis da vida cotidiana, do que é habitual, do cotidiano exato e propício à ação na qual, nós, todos, inseridos de uma forma bastante significativa em vista dos nossos papéis sociais estamos nunca a salvo de peripécias que implodem dentro da mesma vida cotidiana. 

O roteiro muito bem conotado pelo diretor Damián Szifron, surpreende com a descoberta de que heróis somos: anônimos e correlatos.

O filme retrata a vida de um psiquiatra comunitário (Diego Peretti) que da noite para o dia se envolve em uma trama na qual ele faz um papel chave de ser o salvador de um agente da Polícia Federal Argentina que, após muitas investigações, este último resolve dar fim a uma máfia em onde se veem envolvidos policiais comuns e agentes secretos do Serviço de Inteligência. 

A naturalidade do ator mostra seu papel indagador entre seu cliente (Luis Luque) e a própria tragédia do psiquiatra que descobre tal qual acontece com o seu paciente, em relação à vida conjugal, que a mulher o engana.

O primeiro entra em depressão devido ao choque aparente entre a conformidade da descoberta e o devir. 

O segundo, que por motivos meteorológicos, convida o primeiro a entrar na sua casa solidificando-se uma amizade que é a que supostamente, na vida real, devia propor o leitmotiv do eixo analista-paciente para que tal sintoma prescrito, neste caso, a depressão do agente, se dissipe.

Destarte, o humor que empreende a trama pela sua própria invectiva é na verdade uma tragicomédia que se por um lado suscita um certo espanto na vida real, aqui torna-se de fato, o emprego e a forma original de que psiquiatra e paciente são configurações da mesma problemática, mas em sentidos diferenciados e tratados à maneira do espelho lacaniano, o estágio, e este seja tão cruel na vida real, mas na trama abordada no filme acabe por espelhar a situação de vulnerabilidade a que toda a sociedade está exposta sem abrir feridas.

Quiçá seja este o tom preponderante do humor são diante de uma situação que beira o intolerável.

Peretti que na vida real ele é psiquiatra e psicanalista, na rodagem ele se mostra ativo em sua própria esfera do real quebrando-o apenas com a ação nos quais bandidos e mocinhos estão à espreita de uma salvação: um, em salvaguardar a vida do seu paciente envolvido na investigação; os outros, em realizar um feito marginal usando-se dos poderes institucionais que possuem.

A grande sacada do filme é a ambientação propícia para tais atos utilizando-se de todos os elementos compatíveis com a trama sem perder o lance interativo de uma profundeza dialética ao ponto de ser inevitável a formação de pensamentos ulteriores confinado no inconsciente dos espectadores, isto é, do público que se vê a través da tela do cinema: a notada representação da vida cotidiana dentro dos lares em quesitos conjugais, o papel do profissional psi diante da problemática, a simbolização do herói que por motivos políticos e sociais deixa de transcender, tendo em vista a margem de acusações que a opinião pública ressalta em todo momento em questões ligadas à corrupção policial e à falta de ética e de moral das instituições que deveriam dar o exemplo.

Por fim, a ruptura de valores tidos como imorais diante da nova sociedade em transição que, se por um lado criticam atos recorrentes da mesma moral social impositiva tanto o policial quanto o analista quebram-no em apenas dez minutos de trajetória, insinuando indiretamente a uma reforma de pensamentos subjetivos tanto quanto à renovação dos procedimentos das instituições como uma forma de projetar aquilo, como foi retroexposto em linhas anteriores, no inconsciente dos espectadores.

“Tiempo de Valientes” assume, pelo título do filme, a fama do herói anônimo que pode estar em qualquer ponto de uma cidade, região ou localidade. 

Tal vez, na poltrona do lado dentro da sala de cinema. 

Essa projeção do que é a coragem, a valentia, a volição continuada não se trata mais ao que estamos acostumados na historicidade cronológica do nosso universo humano, mas sim, na simbolização do absurdamente natural e que no dia a dia não nos damos conta justamente por essa falta de autocrítica e senso comum e que deveria residir dentro de nós de forma espontânea e cíclica para resolver os impasses que a própria vida manifesta.


Ludwig Ravest é chileno, escritor, estudou filosofia na Universidade de Santiago e atualmente vive e trabalha em São Paulo.

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