domingo, 16 de novembro de 2014

COLABORADORES - c i t a ç ã o - Marcos Lopes por Ludwig Ravest

Considerações sobre obra literária
             
  “O Segredo do Caleidoscópio”
                                        
   by Marcos Lopes.

                                                                         
                                                                            I


O líder dos lotófagos ordenou que o rapaz fosse levado à sua presença no dia seguinte.

- Teve sorte de não ter morrido - observou o soberano com sua voz rouca e com os olhos fixos na sacola. - Nós somos bastante acolhedores e hospitaleiros. Você é bem-vindo em nosso país, forasteiro, mesmo não conhecendo sua identidade.

- Sou muito grato. Passei por maus bocados até chegar aqui. Não faz ideia do que já enfrentei. Tenho ainda uma missão para cumprir e outros desafios para fazer valer uma antiga profecia.
                                                                                                    (Cap. III, pág. 21)


  

         
A pessoa de Marcos Lopes me lembra em reiteradas ocasiões sua esporádica passagem pela calçada cinemática da Rua Augusta. O perfil que se vislumbra de sua pessoa é o perfil de adequado sentido de sensibilidade e singeleza. Embora essa sentença não denote apenas uma forma de enaltecimento da pessoa do autor de uma obra, ele delineia perfeitamente os fluxos e influxos da Antiguidade Grega adaptando-a às circunstâncias presentes e dando– a por entender a essa geração que infere confiança e renovação de valores.

          Sem reservas, de devido direito por parte do autor de “O Segredo do Caleidoscópio” eis que efetuo uma consideração de sua obra (do latim siderare) seguindo os ditames do reconhecimento, porém abandonando a passividade, no caso o eu leitor, inscrevendo um comentário a titulo de potestade literária.

          Sua obra seria indicada como Profecia do Espelho, algo que para o bom observador não lhe é difícil distinguir dada a relevância do mundo de hoje no sentido da globalização, urbanização e trafego intenso de idéias. Todos somos espelhos de nós mesmos. Mas o autor se deixa utilizar pela imaginação impregnada de intuitividade, expressão esta que designaria o elemento principal da moçada de hoje, dos jovens, dos adolescentes de hoje que é o universo de pessoas ao qual a obra vai dirigida. A expressão universalizaria um sentimento dado à geração de hoje. Singra todos os mares em busca da eloqüência perfeita para um entendimento não paradigmático da realidade e sim, para o reconhecimento da vida através do Espelho do cotidiano no viés da mitologia.

          Todavia o autor se debruça sobre o trabalho, ou de modo superior, a labor de criar no adolescente um hábito diferente; quiçá a labor que só a esponja faria, isto é, absorver a riqueza da historia e da literatura e oferecê-la de modo prático e desinteressado, ou então, sem inflas de academicismo, em direção ao universo adolescente i.e infanto-juvenil.

          A obra de Marcos Lopes não possui redundâncias; ele se esmera em disseminar cultura, riqueza e conhecimento e com isso inserir os jovens na veleidade que a curiosidade que os noviços possuem em relação ao conhecimento sobre os nossos antepassados, ora histórico; ora familiar; ora ontológico para ir à busca de uma identidade. É bem sabido que identidade é a relação de Espelho dentro de uma nação, de um grupo, de uma comunidade com objetivos em comum, embora por caminhos diferentes, algo que a tradição greco-romana deixou como legado para o mundo peninsular, pois não é novidade encontrarmos rastros de cultura helena nos traços concernentes ao individuo e à sociedade que permeia a urbanidade interplanetária.

          Esse valor que além de vislumbrar riquezas para si e para o outro é o próprio oráculo onde somos profetas, autodidatas e devotados; somos nosso século ainda inspirado em antigas estruturas civilizatórias: “Édipo Rei”, “Antígona”, “Antígona em Colona”, “Medeia”, “A Celestina” dentre outras obras clássicas helênicas e pós-helênicas que instaura a heurística do universo humano confrontado com a própria condição que lhe toca viver.

          Descobrir e compreender o mundo clássico, ou melhor, a junção helenista-judaico-cristã é compreender melhor nosso presente gênico e histórico; significa compreender nosso universo em tempo real, suas oscilações, sua movimentação pendular e rotativa além de sua retórica temporal plasmada na duplicidade de suas formas em pleroma tais como o dia e a noite, o lado A o lado B, a ponta esquerda e a ponta direita, o que está em cima o que está embaixo, o que fica trás o que vai à frente, etc. Nisso o autor de “O Segredo do Caleidoscópio” acertou em cheio ao esfalfar os axiomas encontrados ao longo da leitura onde o Sacerdote que também era poeta, aparece como declamador e ao mesmo tempo orador: um noticiador de seu tempo.

          Hoje o Sacerdote é o pedagogo que pode ser artista, recriador de seu entorno, de seu ambiente, sendo o responsável pelo fenômeno de transformação do ser em seu tempo. Igualmente ele é o filósofo, o poeta e o analista a alcançar o ápice da essência de seu próprio ser para tornar-se afável diante das pessoas que lhe rodeiam.
          
Seguindo a trilha de Pascal: a natureza é uma esfera espantosa, cujo centro está em toda parte e a circunferência em nenhuma.

          Por isso ler é olhar, olhar a través do espelho da literatura; é pertencer por uns segundos, minutos ou tal vez horas a uma circunferência, a uma circunstância. É ocupar o espaço de Cibele, Démeter, Autora, Febo; pertencer ao trono de Apolo, Zeus e olhar com os olhos de Ulisses, Ovídio, Diógenes Laércio e Flávio Josefo; é ser um cidadão da antiga Esparta, um legislador em Atenas, um naufrago em Chipre ou uma Atenéia de olhos esbugalhados. Um herói enigmático driblando górgonas, monstros e pégasos livrando um combate a favor da força e da inteligência (perspicácia).

          Indubitável que todas essas instâncias demarcam com suficiente juízo os diferentes rostos da Humanidade. Cada mito contempla o continuo movimento das massas, cada lenda refrata o espírito do tempo aqui e agora como sempre tem sido.

          Retratam os deuses a alforria e suas fúrias demonstrando as oscilações que são partes da própria natureza humana in nillo tempore.

          A literatura de Marcos Lopes que muito mais do que sempiternas imagens caleidoscópicas, ele circunscreve o ambiente dos estudantes, futuros formadores de opinião e mantenedores da grande máquina que movimenta o planeta ataviado nos instintos da humanidade: a intensa busca da pedra filosofal retratado em um frasco é o significante da busca do ser-aí, isto é, o dáimon do qual tantos pensadores se debruçaram até a exaustão em explicar.

           A obra “O Segredo do Caleidoscópio” contempla o fim da interrogante da esfinge ainda que sempre se encontrem vestígios de dúvidas acerca da mesma; qual milênios de assombração e desvelo dando extenso espaço ao desvendar dos infinitos mistérios da raça humana, portanto, universal. Assim os átomos de Demócrito estão para a ciência pré-socrática como a esfinge está para a psicologia e a linguagem.

          Daí Plotino enfatizou que quando os deuses enviaram as almas para o devir implantou no rosto os olhos portadores de luz. E acrescenta Aristóteles que por natureza, todos os homens desejam conhecer.  

          Ora, a Antiguidade Clássica foi merecedora de tributos e ovações pelo simples fato de ter se apoiado na literatura na forma da poesia com o intuito de revelar seu passado, de legar aos futuros um pensamento que em seu tempo teve seu modo de pertencimento e cujos pensamentos obraram em direção à realidade concreta, todavia, acima do bem e do mal.

          O Espelho como continuidade do outro em mim determinando um eu que implica também no outro; notamos, nessa sentença que a fantasia e a imaginação são a soma total da idéia de espírito e metafísica fenômeno contemplado nos elementos que atiça a divindade (ou as divindades) para efeito de simulação (persona) no paradigma. O ser, um homem continua condicionado ao real e ao concreto comum a todos os homens que encontramos com o passar do tempo durante a nossa fugaz passagem pela Terra.
                                                               


                                                                              II




- Agora só basta um golpe mortal, quebrar o vidro azul e “Ele” brindará a sua morte e a do dragão!
- O que ganhará se me matar? Que vantagens você levará se o animal encantado morrer?
                                                                                          (Cap. VII, pág. 79)




  

          O autor na pessoa de Marcos Lopes (ou a pessoa no autor?) consegue contornar o disposto em linhas anteriores devido a um fato simples e conhecido por todos: o fenômeno da Arte.

          O fenômeno da Arte ou para ser mais visceral no assunto, as causas fenomenológicas que a Arte produz no ser humano, mote central dessa consideração, é limitado e ilimitado; é quadrado e oblongo. Sendo limitado e ilimitado ele é produto de um criador, portanto, infinitamente inspiradora e sujeitas a formas nanogêsicas, infinitesimais.

          Cada uma das personagens que habitam nas três histórias possui o denominador comum de que são personagens de aventura, magia, elementos, representação e ato intersticiais entre si, pois cada personagem deixa uma brecha aberta para que o leitor descubra que persona advém de sua personalidade: o frasco azul, o príncipe, o espelho. Mas nenhum deles são diferentes, pois todos têm poderes mágicos e cada um deles é um Espelho do eu que é o mesmo do outro, embora frágil nessa fortuna: o espelho mágico de um caleidoscópio nunca costuma enganar.

          É por isso que ler é olhar; é olhar duas vezes: quando se lê e quando se interpreta.

          É o olhar das crianças o segredo da esfinge e a busca do frasco azul o que entorna a literatura caleidoscópica de Marcos Lopes. Assim também é o sacerdote protegendo os gêmeos (Castor e Pólux?), é o crime do Mercado da Ágora e o náufrago de Chipre: três retângulos espelhados conformam um triângulo mágico, mas que em si não supõe uma triangularidade, pois cada triângulo é ou isóscele (ao menos dois lados do mesmo comprimento) ou escaleno, dependendo da óptica do leitor; ao passo que a retangularidade não teria nenhuma dessas três propriedades.

          Daí que nasce este célebre diálogo:

Sócrates: - que coisa haveremos de olhar para que nos vejamos a nós mesmos?
Alcebíades: - certamente um espelho.
Sócrates: - mas nos olhos com que vemos não há algo semelhante?
Alcebíades: - sem dúvida.

          Dado que a óptica das crianças, dos infanto-juvenis que procuram um algo no viés da literatura que nos oferece Marcos Lopes, o autor como roteirista e diretor, deixa a guisa esse algo que é a óptica difusa dentro do próprio calidoscópio em que as crianças e os infanto-juvenis se refletem; para eles só pode ser achado num prisma retangular que de alhures foi objeto que cimbra nos mistérios que envolvem sua aura quando perguntam: como é possível que aconteça isso? Deixa de ser mistério, senão, cientemente previsto, torna-se uma revelação que desaponta à própria expressividade que envolve a acepção mistério.

          A partir do momento que uma mão se abre através de um buraco cuja saliência parece lembrar o umbigo, eis que aparece o sonho, o extremo olhar sobre as coisas da invisibilidade formado por elementos análogos à poesia, todavia, distantes do entender humano: o sonho desperto, indistinto entre as multifacetadas concepções sobre sonho desde o ponto de vista da ciência e da própria alusão empírica que envolve aspectos psicológicos do ser humano alhures no espelho do comportamento e, se cabe dizê-lo, do manto da loucura em que o homem se envolve quando decide correr atrás do desvendamento do mistério.

          O frasco azul, as crianças, o herói, o sacerdote, a musa todos esses elementos são constitutivos dessa saga ou odisseia caleidoscópica, como é, então que se deveria denominar a obra de Marcos Lopes?

          É um romance mitológico? É o sonho desperto? É a loucura fidedigna? É um livro de auto-ajuda abrolhado das ideias milenárias sobre a semente do bem e a semente do mal? É uma dramaturgia cujo palco é a lânguida serpente do portal? É a triangularidade de duas janelas ou a superfície de um retângulo em onde se confrontam o amor e o ódio, a morte e a vida, o alivio e a dor, o claro e o escuro, o joio e o trigo, o Rei e o vassalo? É a profecia se cumprindo...?

          Todos os elementos colocados sobre essa mesa de comentários (e valha que a mesa mesma ela sendo retangular é ilimitada em sua forma devido ao cumprimento dos lados) são elementos no qual se depreendem outros valores elementares menos importantes, mas que tange à engrenagem do caleidoscópio, por exemplo, o sonho de Hécuba ou a flecha de Filoctetes, constitutivos do gênero, pois viabilizam a trama, o drama, a lenda e o palco. E é justamente nesses ditames que entram em junção a leitura, a interpretação e a observação do mundo para dar uma forma, mensurar os lados que se opõem e aglutinar modos compatíveis de entendimento humano, este último saber que delineia uma das eficientes formas de educar já que chama à pluralidade de pontos de vista desde uma sala de aula formando (sim!) um caleidoscópio.

          A flor de lótus representa, ao fim, o caleidoscópio distante da retina, perto do olho do cerebelo reproduz em repetição seriada amplidões imagéticas que o pensamento especula ao bel-prazer do instinto e da imaginação, pois não devemos esquecer que o ser humano in natura artis ele é instinto e imaginação; duas acepções que a partir da Renascença viu-se demonizada, mas que graças à literatura e em especial, à literatura dos clássicos ambientada em nosso tempo, nosso século, tal como o dispôs o autor Marcos Lopes, ambos significantes tornam-se fator de espontânea individualidade.

          Entretanto, a repetição seriada torna o invisível um espelho mágico, fim-último de um objeto concreto. Não é à toa que o que foi um dia um simulacro de fenomenologia hoje são objetos da realidade com múltiplas proporções desde em que se olha e se exprime nos círculos nervosos cerebrais aprofundando-se sobre si mesmo até a aquisição do próprio objeto fornecendo a sensação que no simples toque de pele, uma resposta inquirida.

          Creio em suma instância, concordar com um velho amigo Professor de Literatura Comparada que o livro “O Segredo do Caleidoscópio” do autor Marcos Lopes deve fazer parte das prateleiras de livros didáticos e que os mestres devem estar preparados para dirimir entre as ilustrações que os discentes fornecem, obedecendo a pautas ou, então, perscrutar uma nova maneira de participação entre a vida do alunado. Uma literatura obrigatória para crianças, para o universo infanto-juvenil e (por que não?) para os adultos atingindo o ápice de literatura como, por exemplo, “O Mundo de Sophia” dentre outros que visam ajudar na formação da geração nos moldes da filosofia, da mitologia, dos contos de fada, das lendas, da História da Humanidade.

          Caberá ao futuro discernir sobre esse prevalecer fornecido pela literatura nas carteiras dos estudantes para que cada um faça chegar suas observações (considerações?) ainda que a priori a literatura seja ícone aplicado como primazia de formação do individuo.

          Por outra parte, e enaltecendo o grande labor na pessoa-autor Marcos Lopes, ele não é apenas um diretor, um dramaturgo, um ator ou um roteirista; na afamada calçada da Rua Augusta em onde o autor dessas “Considerações” conversou tantas vezes e que desses fugazes diálogos abrolhou não apenas esse texto, senão, e ademais, uma referência entre nós.

          Quiçá uma amizade de alto estilo dado o respeito mútuo e a consideração como pessoas criativas, pensantes e artisticamente comprometidas não apenas com a idade de ouro humana (a meninice), senão que com todo o complexo interativo que chamamos de sociedade, esperando um dia ela seja o abrigo definitivo para todos sem que sejam necessários conflitos de águas divisórias. Tange a Arte compenetrar em todos os meandros dessa mesma sociedade porque é através dela que superamos todas as nossas diferenças. Disse: através da Arte.

                                 
Ludwig Ravest é chileno, escritor, estudou filosofia na Universidade de Santiago e atualmente vive e trabalha em São Paulo.

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