quinta-feira, 27 de novembro de 2014

COLABORADORES - A Obra De Andressa Catelan por Ludwig Ravest

Considerações Sobre Obra Imagética
                                                        CORPO MENTE ÁGUA
                                                      by ANDRESSA CATELAN

                      
Corpo, Mente e Água.

Tenho a junção dessas três palavras como resumo básico, mas profundo, do que vem a ser meu intuito artístico. Meu foco é o ser humano, e em segundo plano qualquer outro ser ou coisa que ele possa estar interagindo no momento da foto ser feita.

Primeiramente a palavra corpo, ele representa a forma física exteriorizada das pessoas, e por isto é a primeira impressão que se tem delas ao ver a foto. Mas como meu objetivo é ir, além disto, vem a palavra mente, onde a estampa cria consciência e personalidade, onde se formam as atitudes refletindo emoções nos corpos que retrato. E finalmente a água, com um duplo significado pessoal para mim, um deles é a vida. Água é vida, ela representa o interior de nosso corpo e as necessidades dele. Juntamente vem o mar, não deixando de ser vida também, mas é a parte da natureza que mais me encanta e me traz inspirações, pois penso que todos somos como ele, imensos, fortes e sempre haverá mais dentro de nós para descobrirmos. O ser humano se limita muito mentalmente, o que tento passar em minha arte é o que acredito a consciência da imensidão que somos.

Cada corpo humano tem sua beleza única quando vem ao mundo, e por este motivo minha preferência é fotografá-los nus, porém, o ser também sofre transformações diante do meio, as vestimentas e adereços já fazem parte de uma cultura nossa e acabam representando conceitos e individualidades. Por este motivo não fotografo exclusivamente a nudez e até gosto de enfeitar o corpo dependendo do tema da foto e o que quero trazer nela. Independentemente de ter sido planejada ou espontânea, minha visão sempre será focada na essência que uma determinada cena carrega.

O primeiro ensaio oficial que fiz foi do meu projeto "O Nosso Mais Puro", no qual retrato de maneira clara a base conceitual das fotos que eu faria posteriormente. Foi mais que um simples ensaio, foi uma experiência de liberdade e reflexão para mim e os participantes. Realizado em uma das cachoeiras de Paranapiacaba - SP, a primeira série do projeto (que pretendo dar continuidade futuramente) tem o intuito de mostrar a juventude de maneira natural, eliminando conceitos distorcidos que nos é imposto desde o nascimento, como por exemplo, ser "errado" mostrar o corpo e ainda quando mostrado, é olhado como erotismo ou pornografia. Em um meio natural, os participantes nus, como tudo a sua volta, ficaram livres para interagir com a natureza. O objetivo era a espontaneidade dessa descoberta de reconexão. Eles vivenciaram o lado puro de seu próprio ser, essência e personalidade.

Quando me aprofundei na fotografia, estava saindo de uma crise e foi quando comecei a fazer autorretratos, uma prática que está muito presente em meu repertório. Foi uma terapia misturada com um desabrochamento artístico, pois quando estava me recuperando, isso ajudou bastante com o famoso processo de autoconhecimento depois de uma experiência ruim. As fotos faziam com que eu me enxergasse melhor por dentro e por fora. Conforme fui superando meus conflitos, queria expandir isso para as outras pessoas, retratá-las de maneira profunda também. Eu já sabia que o mundo fotográfico me atraia, mas eu tentava de várias outras maneiras expressar o que eu queria e nunca era o suficiente, até perceber que uma câmera era a base perfeita para o que eu buscava fazer. E agora, decidi tornar a fotografia como minha profissão por não conseguir mais largar algo que já amo tanto.


Andressa Catelan


O corpo imagético é reflexo da Mente de quem concebe no espelho de água que se forma ao redor dessa filosofia, a Natureza em todo o seu esplendor.

A prolongação dessa filosofia colocada em práxis pela autora deve-se intensamente ao sentido da observação; vai muito além e aquém do olhar que apenas vê se souber distinguir o que o olho vê e o que a Mente interpreta. O Corpo visto como elemento constitutivo da Natureza jamais como objeto do sujeito deixando em claro que este é o mote central de sua obra sem expor ao ridículo o Corpo nos moldes das classificações sociais. Por isso é pensado em espírito: porque é Emancipação; por isso abafa qualquer sintoma de ufanismo: porque é simples; por isso é redenção: vem do profundo das águas.

Tal vez, e de fato, um dos filósofos da Natureza, o pré-socrático Tales de Mileto escolhia a Água como o sentido adâmico de tudo o que existe, isto é, a Natureza; assim para os hipocráticos a fleuma sendo fria e úmida, por conseguinte, regida pelas águas dos fluxos internos do Corpo. Tal vez por isso Schiller escolheu também as águas para engendrar sua revista Die Horen (1795-1797) ao contemplar a liberdade como “a articulação necessária para unir estética e ética; verdade, bom e beleza”.

Porém, a existência da Água nem sempre fazia referência à Mente coisa que somente veio a acontecer em pleno século XX quando a Arte decidiu por fim insinuar reformas que atingiam o social diante do que compactua diretamente com o que é humano e real na sua razão mais simples e concreta diante das adversidades do mundo e suas ingerências dentro do contexto do que é liberdade, estética, ética, visão panorâmica do homem social e do homem individual com todas as descobertas que com afinco os artistas se dispuseram a apresentar evitando assim a estagnação do pensar, do sentir, do perceber e do realizar.

Tristão e Isolda, a famosa ópera de Wagner em onde a junção da loucura dos oceanos na busca incessante do que há além dos limites do olhar, produz o novo enigma à Humanidade: qual seria o fluxo que determinaria a Historia do Homem com todas suas vertentes. Assim Júlio Verne e sua abstêmia e lúcida viagem por entre oceanos inebriantes: descobriu o pensamento selvagem, igualmente, no sentido adâmico longe de toda estrutura que confinasse esse “adâmico” à posição de “tudo começou assim”. Só o sensível e manifesto observados minuciosamente poderia (e pode) aluminar as virtudes cujos conceitos encerram a obra Corpo Mente e Água da fotografa paulistana Andressa Catelan durante todo o exercício e prolongação da filosofia da Natureza.

A fotógrafa nômade, como quiçá a chamaria Gilles Deleuze, incorre em dois aspectos diferenciados numa mesma direção: a imobilidade e o movimento. Deleuze pode situar essa relação da seguinte forma: “os nômades não são migrantes nem viajantes, e sim, ao contrario, os que não se movem os que se agarram à estepe imóvel, mas que circulam a grandes passos”.

Na sequência de fotos encontramos o passarinho em movimento, todavia, imóvel. Igualmente, o Corpo nu imóvel, mas cheio de aventuras; a Água que cai e a água que escorre em ambos os sentidos; as árvores e os arbustos crivados de luxaria ainda que uma lufada de vento que a Água constrói com sua queda mantenha-se inerte e convidativa. Encontra-se o Corpo vestido, cheio de adversidades enquanto o nu feminino, cheio de desejos de Emancipação: a liberdade do eu ao rés da pedra que conforma a paisagem e que invoca a reflexão.

Deste modo tanto um soberano e um paladino podem olhar entreverando-se mutuamente com cujos desejos mais cismam em atingir. No entanto, o olhar jamais pode se entreverar com o olhar do outro porque cada um olha e interpreta à sua maneira aquilo que vê indistintamente do que se haja exposto à sua frente.

Justamente é o que faz que a Arte Imagética faça um registro e este permaneça vivo qual o órgão dos sentidos e que quando visto em tempos e espaços diversos podem causar a denominada revolução dos sentidos.

A fotógrafa se expõe e expõe seu olhar diante da câmera em onde muitos descobrirão seu próprio eu diante da adversidade do outro mergulhando nas próprias Águas de sua sacramental Natureza.

Tal vez e por isso seja necessário convocar o espírito dos antigos, como Ovídio, por exemplo, em onde cita em um de seus versos mais cotados de sua obra a extensão primitiva de seu desejo mais profundo e secular em se tratando dos motivos que faz ao Homem procurar sua verdadeira identidade: "Nasceu então o homem. Este, ou o fez de semente divina aquele artífice do universo, a origem do mundo melhor; ou então será a Terra, recente, separada há pouco do alto éter, talvez ainda contivesse sementes do céu, seu parente, terra que o filho de Jápeto misturando com água da chuva, moldou à imagem dos deuses que governam tudo." (Metamorfose I, V, 78-83)

Quanto mais se olha profundamente o conceito de Corpo Mente e Água, maior será o discernimento de nossa verdadeira Natureza simbolizada no mais concreto dos resultados: a Arte como interpretação de tudo o que nos rodeia e que nos faz sermos majestosos e ponderáveis à hora de perceber tamanha criação de uma artista.


Ludwig Ravest é chileno, escritor, estudou filosofia na Universidade de Santiago e atualmente vive e trabalha em São Paulo.

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