quinta-feira, 11 de setembro de 2014

COLABORADORES - "Dossiê Mesa 18: O desejo de estar, de saber-se aceito, o fato de ser" - por Ludwig Ravest

“Conciencia y materialidad se presentan entonces como formas de existencia radicalmente diferentes, e incluso antagonistas que adoptan un modus vivendi y se componen mal que bien entre ellas. La materia es necesidad, la conciencia es libertad; pero por más que se opongan una a la otra, la vida encuentra en medio de reconciliarlas. Es que la vida es precisamente la libertad insertándose en la necesidad y volcándola en su provecho. Ella sería imposible, si el determinismo al cual obedece la materia no pudiera relajarse de su rigidez. Pero supongan que en ciertos momentos, en ciertos puntos, la materia ofrece una cierta elasticidad, allí se instalará la conciencia. Se instalará allí haciéndose completamente pequeña; luego, una vez en el lugar, se dilatará, redondeará su parte y terminará por obtener todo, ya que dispone del tiempo y ya que la cantidad más ligera de indeterminación, adicionándose indefinidamente consigo mismo, dará a luz tanta libertad como se quiera (…) Si buscamos, en efecto, cómo se organiza un cuerpo viviente para ejecutar movimientos, encontramos que su método siempre es ele mismo. Consiste en utilizar ciertas substancias  que podríamos llamar explosivos y que, semejantes a la pólvora del cañón, solo aguardan una chispa para detonar”

                                                        

                       (Henry Bergson, La Energía Espiritual, Conferencia Huxley,  La Conciencia y   
                                                   La Vida, Universidad de Birmingham, 1911)













“Aqueles que nos privaram da Beleza
Devem morrer
Nós incendiamos apenas Tróia
Por no podermos incendiar o mundo”
(Milton de Godoy Campos, Poemas e Elegias, 1982)


“Rareou no horizonte o bom senso renovador, o desprendimento e a lei do ser visto a qualquer preço tomou proporções avantajadas nas telas ‘mágicas’ e a visão tacanha e egoísta da real realidade sufocou legitimas aspirações maiores do bem comum e vemo-nos todos à deriva, perigando na mão de títeres absolutistas, guerreando o irmão, ferindo a natureza, roubando a inocência do ambiente todo, e aquele calor in natura artis tornou-se uma cidade submersa para poucos saudosistas para em seu lugar aparecer as grandes megalópoles problemáticas e lotadas de emblemas artificiais”
                   (Helder Tadeu, Rimas de um Poeta Mínimo ou 365 dias de Poemas Empíricos)



“As vozes não se calam
As vozes não se calam-
Calar-se-ão, em breve?
As vozes”
                (Fabio Ulanin, Canção de Fogo, in 20 Poemas Extremos, 2002-2008)



“Diga Sério Comendador: é sempre sim, nunca não - dentro das possibilidades”
             (Fernando Chapeleiro

I.                    Uma Breve Introdução






   Esse texto que a continuação vocês terão o grande prazer de ler foi engendrado não apenas pelas mãos do autor como se há de pensar antevisto dado o título do ensaio, o nome do autor e seu respectivo e-mail.
   Esse ensaio é fruto da crescente disseminação do desejo de coletividade feito pela “cognose” das pessoas que freqüentam a dita Mesa18. Pode parecer impreciso para muitos essa sentença tendo em conta que, na cidade de São Paulo, devido às informações que se passam pela mass media, principalmente, nos tele-jornais, exista, de fato, uma tamanha suposição em que as pessoas vivem uma eterna desconfiança ou algo como que o medo trancafia as pessoas em casa: tamanha ideia de manipular as pessoas influenciadas pelos seus próprios medos particulares façam com que elas, as pessoas, habitantes da cidade, não saiam de suas casas com o intuito de encontrar outras pessoas em lugares públicos.
   Por outra parte o autor ao referir-se sobre o termo coletividade não se trata de coletivismo ao fiel estilo dos neoliberalistas de plantão que assumiram sem ressalvas o controle econômico do planeta. Refere-se ao conceito de sociabilidade dentro do contexto do que é global, universalizar ou, conforme o tratado platônico-aristotélico, o sentido de res-pública¹ conformando a proposição extra-globalizante do ser humano, isto é, a capacidade de o homem responder às sujeições do sistema muito além de toda norma severa e além de todas as convencionalidades já existentes.

¹. Res-pública: literalmente “a coisa que é do povo” ou “a coisa pública”. O conceito república no seu lócus original.

Bem poderia adicionar o termo aptar-se, bem dizia o psicanalista indo-britânico Wilfred Bion¹ quando as pessoas tomam consciência (awareness) de sua sujeição no âmbito social.
O que mais pressupõem os velhos sábios das grandes matérias que conformam a Humanidade é que o homem é parte da sociedade pelo meio conceitual da troca de valores (animal social). E aqui a causa não é invadir o terreno alheio a que corresponde o mundo da matéria diante da tipologia relacional que vivemos atualmente. 
   Esse não é fim desse ensaio e tampouco louvaminhar uma nova ideia, uma descoberta.
   A finalidade do mesmo é colocar a título de obra ensaística informar um tempo que nos coube a todos viver, digo tanto como escritor e analista autodidata como também à ordem dos revelados, ou seja, dos verdadeiros autores e componentes do DOSSIÊ MESA 18 que, informando com precisão, trata-se de dois portfólios com imagens que traduzem empírica e cientificamente, diga-se de passagem, psicológica e antropologicamente, a manifestação humana de homens e mulheres que agraciados pela intensidade e diversidade da Rua Augusta, transformaram-se em protagonistas de uma história jamais comentada em jornais, revistas, magazines como também sem pressupostos dentro de exames sociológicos e neurológicos. Porque dos mesmos fatos que nos coube a todos viver no viver-ali em  onde o conjunto de pessoas e elementos numa junção extraordinária acabou por modificar vidas subjetivas e, por efeito, modificando automaticamente a existência dos revelados: a MESA 18 tornando-o assim como o segundo lar para muitos.


¹. Wilfred. R. Bion, a Theory of Thinking. In: Second Thoughts, Selected Papers of Psychoanalysis, London, Heinemann, 1967.
   Nota-se que isso pode parecer inaudito para experimentadores e acadêmicos; a história demonstrou (e ainda demonstra) que é de situações cotidianas em onde o ser humano transcende ou se detém no seu curso evolutivo; se desliza abissal em direção à autoconservação e ao comprometimento social depreendendo-se que de todas essas incursões abrolham todas e quaisquer das formas literárias classificadas filologicamente sem que por esse motivo seja a priori sentir a necessidade perder-se na essência do real. Fato é que a cada um se lhe revela a MESA 18 dependendo de seu alto nível de sociabilidade, bom humor e situando-se em sentido terrestre à mesma intensidade que o planeta Terra gira, ou seja, translacional e rotacional.
   A MESA 18 não é um espaço, um tempo, o nome da coisa em si ou titulo de propriedade e mesmo, não é um corpo adjacente à matéria ainda que responda à Gestalt: um quadrado serial, pois segue o conceito público da cidade em onde outras mesas instaladas em um pequeno espaço infinitesimal da mesma são ocupadas para fins comerciais, no caso, um bar de esquina e também, o bar como sentido de espaço de convivência e troca de diálogos entre pares. Por fim, acopladas à mesa jazem as cadeiras. Trata-se do verdadeiro sentido do nômade e do pensamento do desastre seguindo a trilha de Maurice Blanchot¹
Em númen as pessoas vão aos poucos aparecendo.
São pessoas incógnitas dentro do meio social na qual estão inseridas. Pessoas excluídas de todo e qualquer médio de informação apesar de que muitas dessas pessoas executam atividades, tarefas sociais, profissionalmente estão inseridas no mercado de trabalho.

¹. O sentido da escrita nômade segundo o pensamento de Gilles Deleuze e da escrita do desastre segundo Maurice Blanchot apud Daniel Lins: O Último Copo: álcool, literatura e filosofia, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2013. Esses conceitos competem ao modo de sensação e percepção além de figuração entre o escritor e suas personagens, todas elas compelidas a um dado tempo-espaço em onde, diante da mobilidade social, existe um encontro retratado na Literatura como forma de dar a conhecer aos leitores o impasse que há entre quem escreve e a pessoa que se descreve todos na forma de um copo, de uma mesa, de uma cadeira e uma situação especial. (N. do Autor deste ensaio)

Noutro âmbito são pessoas da vida comum que relevam a vida e a existência cada qual ao seu modo e em sua maioria isenta de ideologias, religião ou moda mesmo que muitas atividades não sejam lícitas diante dos olhos jurídicos (e.g. vendedores ambulantes, hippies, pequenos traficantes,etc.) trata-se dos movimentos humanos dentro de uma urbe social.
Quiçá, fora de todo escopo filosófico que se queira dar ao presente ensaio, a Mesa transforma os revelados em seres transcendentais embora olhos alheios estejam a uma distância de anos-luz da capacidade de convergência, entendimento e aceitação em relação ao termo transcendência tanto de parte de leigos tanto de estudiosos da natureza humana. E o autor tem a plena consciência disso embora o denominado agrupamento de pessoas (personas?) implique consistência e mudanças de velas das naus sujeitas jamais à deriva dos ventos, mas sim, com um fim-último cuja praticidade causaria inveja nos textos kantianos¹.
Muitos ainda não perceberam a imensa importância que tem a Rua Augusta, um exórdio, um espaço supercilioso, inexorável, o que remete verdadeiramente à questão da res-pública por condescendência do termo urbanidade² que é onde se encontra a Mesa 18, ancorada numa dessas esquinas que a conformam como a maior Rua a céu aberto ínclita aos encontros massivos de pessoas e elementos que a compõem pela própria natureza.


¹. Giorgio Colli: La Nacita della Filosofia, Adelphi Edizioni, Milano, 1975, 2000.
².  Urbanismo vem do Latim URBS, “cidade”. A qualidade de quem vive numa cidade e leva isso em consideração é dita urbanidade, e tem a mesma origem. Provém, igualmente, a bênção papal chamada URBI ET ORBI que significa “para a cidade (antes, quando se dizia apenas URBS, todos sabiam que era Roma) e para o mundo.
   A MESA 18 não é Filosofia embora o seja; não é Psicologia embora também seja; não é Literatura embora sempre houvesse um livro sobre ela; não é Psicanálise embora invoque balizamentos gerais dos elementos que a compõem; não é Aritmética ainda que resultados pitagóricos indiquem seu máximo denominador comum; não é Historia embora sempre tenha tido a conjuntura como pulsação em cujo viés temporal à invenção de um passado; não é Cosmogonia ainda que haja tantas constelações que perfilam o ser diante da matéria e esta atrelada à definição de seus integrantes.
Em fim, a heurística de toda hermenêutica; o universo holicromado (holos, "todo"  χρώμα “khrôma” = cores; todas as cores) perante tanta individualidade. O fim do teatro das aparências; o nascimento da essencialidade que cultua o aparente e seu inverso: aquilo que é, mas que bastaria infinitos nano-segundos para contemplá-la. Efêmera e profunda, artística e vulgar, prosaica e verossímil, água e terra, ácida e leve, corcunda e ereta, entrelaçada e livre, Ariadne e Prometeu, Deméter e Perséfone, sacrílega e terapêutica, peçonhenta e curativa, apolínea e dionisíaca, estóica e epicurista, o hostil arco e a benevolente lira. E, tal como diría Schopenhauer: “La razón está al servicio de la animalidad, de la voluntad de vivir; pero mediante la razón se llega al conocimiento del dolor y del camino para vencer el dolor, es decir, la negación de la voluntad de vivir”¹       
 
 ¹. Giorgio Colli, La Nascita della Filosofia, Adelphi Edizioni, Milano, 1975, 2000. De um lado a pluralidade dos indivíduos não remete apenas à questão do nascer e perecer invariavelmente embora as circunstâncias destes nas suas relações sociais variam dependendo do significado e essência que tenha para cada um diante da posição social que lhes tocou viver, por assim dizer, de uma maneira mais abstrata. Tratar-se-á, portanto de encontrar na teoria da vontade os elementos de uma ruptura definitiva com a filosofia clássica em onde se envolvem fatores genéticos, convivenciais e de essência individual embora existindo todos esses quesitos em todo envolvimento social coisa que concretamente fica bem claro quando neste ensaio o indivíduo versus sociedade está em jogo diante da esfera participativa. (N. de A.)
Na ante-sala do mistério que comporta o viver-ali existe o jogo de simulação, todavia, diante do desespero que persiste em invadir o interior dos revelados, todos eles evocam quase que sem querer uma “realidade pessoal primitiva”. Graças a esse dilúvio de situações que se contempla e se perfila ainda sobressai o desejo de estar, de saber-se aceito e o fato de ser de parte dos revelados da MESA 18.  
Esse grupo de pessoas que se reúnem ocasionalmente numa mesa de lanchonete nas imediações da Avenida Paulista na Cidade de São Paulo, para ser mais exato, na Rua Augusta, famosa no mundo afora pela sua vida noturna e sua diversidade gastronômica, palco de inúmeras representações da vida cotidiana nessa imensa Megalópole. Essas pessoas, devido ao conhecimento pleno encetando a intrínseca propriedade que lhe cabe ao autor testemunho e redator desse espaço social, são os verdadeiros protagonistas desse estúdio. O mesmo contempla o inverso da realidade social, isto é, a inventividade. Porém suponhamos algo que se não pensado indistintamente podemos pensar-lo como realização prévia e plena dessa inventividade através da criação de um termo.
A palavra feita para unir quando se dita com garantia de supervivência da mesma, então é que ela se faz ouvir; quando escrita designa diretamente o objeto ao qual se refere, definindo-o em práxis e filosofia prática (praktiké) como “pessoas simples, com seus medos e certezas, com seus êxitos e os seus fracassos, suas fraquezas e fortaleças capazes de interagir para que haja uma entropia e ao mesmo tempo uma sintropia: entre a transferência e a contratransferência, uma exposição de dados que resume toda explicação”.
Contudo, sendo uma espécie de movimento empírico, toda situação age de maneira livre de regulamentos conceituais que não se impeça a livre-expressão, a realidade transmitida através do senso- perceptivo individual: sentimentos e emoções longe de toda gnosiologia, momentaneamente emancipados de julgamentos e sentenças: um quê de desvendamento social dentro de um micro-espaço que se insere, indistintamente dos observadores, dentro da macro-urbanidade ao qual somos impelidos a conviver.
Vivemos em tempos sombrios em onde velhos adágios institucionais sejam eles oficiais ou não, persistem em compenetrar nos meandros dessa sociabilidade.
A MESA 18 tal qual como foi retroexposta com anterioridade é designada por muitos que a conhecem ou a conheceram como um “objeto aí” sem valor mensurável e que acabou transcendendo a um espírito ontológico. Formou-se um ser. Emergiu por entre sua realidade inercial um sistema de vida.
Durante suas épocas de recesso a MESA 18 todos os seus revelados continuam na memória-lembrança - termo este apanhado dos estúdios bergsonianos-, pois se trata de uma epopéia viva e como toda coisa viva em espírito igualmente viva nas circunvoluções do cérebro, as invocações advindas de fatos, cores, sons, texturas, diálogos e discernimentos que trazem à baila o liame humano e circunstancial; fazem que a chama, seu chamariz nunca se extenue com sua carga de tempestividade e ímpeto essa epopéia viva formulada por homens e mulheres do nosso dia a dia e que, sem floreios, para eles, no que respeita a esse micro-espaço, transformou-se em um mito.
   E isso é algo que o próprio autor em seu alcance de poder da escuta, tem logrado perceber irretorquível diante das mudanças que a sociedade imprime enlevando o mito dentre as populações e pragmatizando a existência de uma maneira pouco deslumbrante.
   No ínterim, não há nada de mágico em tudo isso. Embora certas regras de ordem natural como a Lei do Contágio, de fato, é um fenômeno facilmente tributário da natureza do homem ao requerer um destinatário a quem lhe é remitido uma informação, uma fala, uma linguagem, um som que é o som do corpo, a intensidade desta. O receptáculo que de sobremaneira cintila luminescências transformadas em códices, gestos e trejeitos: o instante crucial para a efetividade de uma comunicação.
   De passo, se diz que a palavra é o carro-chefe da vida humana e que sem esta nada seria possível.
   A Lei do Contagio obedece à instância que se distingue pelo enunciado que a pessoa imprime de inicio, doravante as falas e os gestos traga à beça à aceitação do outro pelo outro sob a eminência de passar a existir os acordos das idéias. Devém, então, a Lei da Simpatia, como resposta a esse estimulo o segundo passo a estabelecer o convívio da freqüência no qual o autor faz uma referência anatômico-estrutural.
De improviso todos estão sentados em torno da MESA 18 não importando dogma ou convenção social, tornando o espaço “jardim do encontro” e os sujeitos “revelados do encontro” e que os tornam semelhantes até nas suas próprias diferenças¹.


                                                                                                                                              ________________________________________________________________________                                                                     ¹. Em Bérgson encontramos além da memória-lembrança, intuitos formidáveis em onde as racionalidades não implicam na separação entre razão e natureza já que é isso que sustenta os motivos de subjetivação e a capacidade de entender a experiência histórico-cultural peculiar a cada homem.                                                                         



                                                                         

                                                                          





II.                  O Resultado Total de uma Experiência Única






A MESA 18 tem outros motivos para sua existência: a exposição dos diálogos abertos e sucintos a analise.
Nos manuscritos, desenhos, fotografias e traços e outras formas imagéticas dessa experiência única que o autor desse ensaio foi acumulando como desafio aos seus intuitos filosóficos, literários e psicológicos em suas duas pastas durante os dez anos de existência da Mesa 18, eis que tornou possível ressalvar esse quesito à baila: a experiência de conviver e os traços histórico-culturais de cada um dos revelados.
 O autor coloca a disposição dos futuros leitores (as) todos esses elementos pondo em claro que muito além de qualquer etiologia da ordem psicológica i.e., clinica, no mais, trata-se apenas de missivas, uma espécie de correspondência direta em que as pessoas confiantemente, deixando em mãos do autor deste ensaio para uso expressamente literário sem que haja qualquer outra motivação ressaltando a ética como valor fundamental que atiça essa exposição denominada de DOSSIÊ MESA 18.
Para ser mais explícito: dubia in melorem parte interpretari debent.
Inquire o aprofundamento horizontal da existência dessas pessoas simples, heróis e heroínas de seu próprio cotidiano. Integram uma vasta vertente psicossocial e literária, conhecimentos e experiências vindas da vivencialidade dos revelados com o fim-último do “fazer-saber” sem restrições, mas esteticamente concebível a nuança da hermenêutica humana dirigido expressamente à sociedade que enaltece os desejos em detrimento da necessidade. Ainda que, além das necessidades orgânicas e biológicas existam, de fato, a posteriori das necessidades emergenciais considerando-as inteligíveis diante do contexto do ser humano como ser de carne e osso que se sente a si próprio, há uma outra  necessidade que é a de sociabilização e a  da comunicação no sentido estrito dessas averbações, ressalvando que, viável dentro da natureza intrínseca de animais sociais, o agrupamento e a verbalização dos mesmos para troca de informações e ideias não são mais supostos da filosofia, da literatura e até da psicologia e da psicanálise, mas sim, pressupostos inalteráveis do contexto humano em decorrência do desejo de evolução.
    Haja vista que diante da essência propriamente arraigada na averbação sociabilidade, nasce esse espaço ou um espaço como o legitimo espaço de contato inicial: o espaço urbano e as necessidades psicoemocionais dos revelados. Tendo como palco a rua e a ladeira, os muros que demarcam os limites das propriedades públicas, o espaço de convergência chamado de Lanchonete, as mesas e cadeiras expostas sobre a calçada, o que espera e o esperado, a procura e o encontro, o intuito e a realização final.
Indubitável é que esses resultados são a soma de uma intensa tarefa de credibilidade e de nível de sociabilidade e de aceitação de todos, pois do contrario, seria impossível para o autor ou para quem queira se referir a esse tipo de experiência de terapia urbana uma manifestação de espontaneidade sem a correlativa força da confiabilidade que o próprio espaço público em devir possa apresentar.
Embora os analistas saibam que o fato de ouvir é apenas um fato produto da linguagem humana vindo do contraponto da necessidade de ser ouvido para logo apreender a fala com todo a contextualidade geográfica que a circunda, o ouvir assume a postura transcendente como inicio e finalidade. A fala assume a posição de mediadora entre quem lança a mensagem e quem a recepta. Se a receptação da linguagem pode ser vista através do viés religioso (confissão), ela também pode ser vista pelo viés do da necessidade de volição interna do ser no ambiente fora da toda religiosidade, o ambíguo ambiente da clínica, os espaços urbanos que podem ser desde o interior de um ônibus até o bar, a padaria e até os recintos chamados de asilos, penitenciárias, dentre outros.
Charles Melman, um dos principais e mais próximos discípulos do psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981) em um de seus textos¹  realça a possibilidade de o “analista não ficar isolado no consultório alheio às transformações da sociedade contemporânea, as quais repercutem diretamente na clínica”.
Isso equivaleria também a todos os profissionais das áreas humanas. Inclusive na própria Literatura tanto quanto como na Filosofia e nas Ciências Econômicas.


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¹ Alcoolismo, Delinqüência, Toxicomania: uma outra forma de gozar; Charles Melman, Escuta, 1992.
Faz-se necessário admitir que praticantes de Terapias Alternativas como, por exemplo, reiki ou do-in dentre outras manifestações nessa área, seriam inclusos nessa afirmação dado que a relação do objeto da dependência exclui toda e qualquer justifica que possa tolher os anseios da sociedade no espelho do individuo.
Um lembrete que se faz necessário acrescentar, de fato a Terapia Urbana (que preferiria utilizar para diferenciar-la das Terapias Alternativas) nasce dentro do cerne do conjunto humano radicado em grandes cidades onde é difícil toda e qualquer circunstância restrita ao diálogo entre pessoas devido, principalmente, à falta de tempo que assume a forma de produção, algo tão precioso para um sistema que prega o fim do ócio criativo e da capacidade de discernimento próprio intimo parceiro da rainha tecnicidade; inflamada pela propaganda respondendo a estímulos mais bem individualistas do que coletivos a improdutividade trata-se de sinônimo de complexidade do individuo beirando os limites do auto-abandono em prol do trabalho assalariado, da competitividade, do consumo e da urgência de porcas e parafusos para a grande economia de mercado em vias de desaparecer quando a grande massa urbana descanse seus pés no repouso da mesma máquina.
   Porquanto é fácil deduzir que faltas não são mais do que justificativas para que o ser humano não pare de produzir e isto não mera circunstancia das sociedades no geral, como sim o é a invenção da lucratividade e o consumo desproporcionado do élan vital humano para garantir as desejos e confortos. A loucura como matriz da sabedoria irrompe entremeio da correria citadina, das gravatas, dos ternos, dos aventais operários, dos que vendem, compram, trocam, mendigam e se chacoalham no ir e vir de passantes exaustos pelo cálice dionisíaco de uma cidade que imponente se ergue conflitante e simbiótica.
    De fato, é que em um texto como esse, encetar o palco da Rua Augusta tão rueira como a própria rua que a conforma, corre-se o risco de confundir a associação que existe entre o mal-estar nevrálgico da sociedade e os modos de entrosamento entre os mesmos indivíduos que conformam a mesma.
Todas as flechas de Filoctetes atravessam o coração da cidade e encontram seu ponto final.
“Augusta-me”, diz um rapaz que formidavelmente aparece à tarde seja ante o escaldo do estio ou ante a gélida ventania, solstícia invernia. Aí está a MESA 18 trabalhando a full seguindo o anima da grande cidade a todo vapor movendo seus tentáculos em busca de sua sobrevivência. A MESA 18 está longe da manutenção do sistema, pois ela não admite sistemas. Ela é implacável diante das inexecráveis mudanças da cidade e mesmo com os ventos assoprando contra sua própria vontade: fluctuat nec mergitur.
     Então Augusta-se em conjunto praticando o devir urbano onde os sábios e os intelectuais muitas vezes não aparecem e em onde todos são sábios e intelectuais num dado momento. E é tanto melhor assim inclusive para o autor desse texto para evitar futuramente confusões da ordem cartorial; registrar o significante das Ciências Psicológicas como tal havendo de se revestir de protagonista desta ordem cientifica considerando que as Ciências Psicológicas são a junção total de todas as partes constituídas pela Historia do Homem e nunca separado ou delineado para especialidades infindas. Não é impetrante para nosso tempo de reificação e obcecada luta pela celebridade efêmera ou a fama em cinco minutos.
    Ditas Ciências nascem no leito do grande Oceano da pré-história geológica da Terra, passando pelo Tempo Social, a História da Arte onde se contempla o individuo comum entranhável em seu cotidiano, atravessando nitidamente os conceitos da física tradicional, moderna e pós-contemporânea findando seu curso após o oblíquo trespassar pelas Ciências Econômicas à quinta dimensão em onde já somos capazes de manusear as energias flutuantes sem a grande necessidade de aparelhos tecnológicos ou objetos de barganha.
   Logo que o dinheiro se transformou no ser supremo de toda atividade social, supra-sumo de todas as coisas, ínclito objeto de troca; o dinheiro como passaporte ao universo das sociedades como todos os elementos que a constituem, trouxe consigo outros paradigmas irresolutos e um leque gigantesco de dicotomias e ambigüidades, indecifráveis pelo contato que há entre o público e o privado; contraponto de todo objeto de estúdio do nosso século, tema caríssimo para as instituições mundiais e raiz disfuncional ao respeito da angustia humana, fatores psicoemocionais latentes nas populações como resultado do embate entre o ter e o ser.
   A solidão imposta por todo esse processo evolutivo das grandes sociedades burguesas, nutrida pela Revolução Tecnológica e alavancada pela mass media não é mais que a entranhável forma de ver o que nos entorna abrindo passo ao medo e aos sentimentos hostis. Abalançam-se sobre as mentalidades mais pobres capazes de substituir o velho axioma da liberdade por um pouco de segurança.
  Sabemos que o ambiente urbano é um hiper-espaço que se amostra como adjacência e não como “lugar de todos”, todavia, um não-lugar. A MESA 18 justamente nasce do conflito refratário entre as duas forças oponentes, a saber, a alienação e a emancipação. Não é necessário invocar a mântica para entendermos isso.  
  Não deve se prospectar qualquer tipo de observação, pois sobre essa problemática que se alastra desde há cinco séculos não se faz mais do que especular ou soslaiar¹ e, segundo a óptica de quem escreve, cada um engaça novas formas de sociabilidade, ora um grande desafio e, principalmente, aos estudiosos e leigos como também aos observadores da natureza humana. Não é uma obrigatoriedade, mas um valor ao que se deve dar efeito e, conseguintemente, dar-lo a conhecer para ataviar a cosmovisão.
  Ponto aparte, se amuarmos de braços cruzados não faremos mais do que lamentarmos tudo isso sem pensar numa atitude.
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¹  O autor ao fazer uso da palavra “soslaiar”  quer dizer exatamente o significado e o significante desse termo; confundido com olhar de lado, pode ser, no contexto desse ensaio, a forma excludente com que se tem apontado a Rua Augusta, o que não passa, obviamente, de procedimentos que alavancam o preconceito e o desconhecimento acerca do que a rua esconde muito além das indicações.                                                                        
                                                                         
                                                                        III




   Cada desenho, cada traço, cada fotografia, xilogravura, nascituros esboços ou até mesmo, as mais simplérrimas linhas deixadas pelo revelado como que jogadas ao azar estão sob a mira da conotação psíquica em detrimento de uma realidade insuportável. E, sem querer recalcar a sabendas da mãe repetição e seus filhos, a realidade não é tributária da Historia, mas sim, da Historia Individual que tem a ver tanto com as Leis da Simpatia e do feitiço das freqüências. Cada um tem a sua freqüência e se alia àquele com a qual se identifica qual faísca ou fosforescência como já dizia o filósofo Bérgson. A diferença de que a MESA 18 não possui sequer uma única freqüência; advém do que se pode denominar o viver-ali dentro de toda a esfera participativa social que incumbe aos que garantem sua permanência transformando um simples espaço urbano demarcado pela sua geografia e ao ente institucional ao qual se atrela, isto é, um estabelecimento comercial público, em um ponto de encontro democrático e versátil.  
   Sucede que nas grandes Metrópoles é fácil poder se conectar a uma das tantas freqüências espaciais existentes sem que isso denote qualquer sentimento de culpa ou vergonha. É por isso que se deve advogar pela manutenção da pluralidade humana dentro de um ciberespaço intra-sideral que a compõe, inserido em um mundo equivalente ao Nada, embora o Nada seja algo como o vácuo atômico.
   A MESA 18 possui uma alta freqüência ainda que sombria se percebermos que a acepção sombria tratar-se-ia unicamente do lado escuro da Humanidade ensamblada ao interior de um único ser. E ela, a MESA acaba onde transcende a atenção do ser como tal e, portanto, fadada a ser investigada por muitos entusiastas da observação da natureza. Lembremos que há diferença entre o entusiasta e o profissional assim como há uma ampla diferença entre o autodidata e o entusiasta. Enquanto o entusiasta incessante à procura por respostas, o autodidata com a sapiência que lhe é própria rapidamente resolve as equações do labirinto e o profissional; tende a mensurar-la a partir dos dados que possui muitas vezes, sem critério e com a incoerência própria de uma ciência determinista, despida do intuito natural de encontrar uma resposta sucinta à vivência do instante.
Quem escreve isto se declara abertamente autodidata com doses moderadas de entusiasmo, mas com a disciplina de um profissional. Aliás, isto a modo de reflexão, porque os tempos do universo da mensurabilidade das coisas e dos movimentos humanos estão chegando ao seu fim dando passo à valorização ao pensamento humanista, ou melhor, ao equilíbrio entre as duas ciências assim como o equilíbrio certo entre os dois hemisférios cerebrais.
   Se existe algo de político em tudo isso é porque a MESA 18 também é política na sua significância mais profunda: o acordo comum entre associados. Chegar a um pacto em onde a multiplicidade de pensamentos e sentires sejam objeto de comunicação sem nenhuma base jurisprudencial ou que denote qualquer tipo de juízos subjetivos ou atrelados às normalizações sociais, convenções, aliás. Deixa de ser uma simples mesa de reunião entre os revelados com a livre-expressão que lhes é bem-comum, livres de julgamentos e preconceitos.
Somente assim é possível fundar uma MESA18 em qualquer lugar respeitando as leis da linguagem e do ethos daquele lugar, sendo que aquele ambiente deve ser visualizado por aquele que conhece o lugar em todo seu espectro pela propriedade que possui pelo simples fato de ser seu lugar; efetua seu intuito, freqüenta com assídua vontade e age conforme o lugar e as pessoas que lhe rodeiam.  
     Cada espaço possui sua linguagem própria assim como cada ser humano tem a sua linguagem independente de cultura, nação, animosidade, História, crenças, etc. Cada ser humano possui seus próprios movimentos, o significante ao quais os lacanianos se referem, a gestualidade simbólica que identifica o seu objeto misto de realidade e fantasmagoria. Cada ser humano possui sua linguagem social e seu repique coloquial dependendo das circunstâncias em que se encontre o individuo e o tipo de identificação social na qual se encontra inserido, todavia, pertencido.
    Outrossim, notadamente os leitores verão n’alguns manuscritos a grande diferença de pulsação à hora de pegar a caneta e imprimir um dizer, um epíteto, um pensamento que vem ao azar e se inscreve como pintura rupestre não mais sobre muros de cavernas e tocas, mas sim, sobre a superfície lhana e lisa de um papel branco. É a denominada transferência. Contudo, deve-se ter cuidado à hora de interpretar a mensagem, pois é comum cair em redundâncias ininteligíveis, criar expectativas falsas à primeira impressão, mecanizar a informação ou simplificar muito o transfunde da mensagem.
    Cada ser humano tem sua escrita assim como há povos que possuem seu próprio modo de transcrever seus dialetos, idiomas, sua dialética. Todos esses detalhes jamais podem passar alto, pois a quem interessa um papel com traços, letras ou palavras escritas naquele momento que será único e inexecrável? Se pensarmos que cada ser humano pode ser biógrafo de si mesmo, escrever a própria historia de sua vida pessoal notaremos que cada um terá seu próprio modo de se expressar em letras e cada um terá uma visão de mundo e uma história diferente. Quiçá por isso haja tanta necessidade de escritores já que eles se inscrevem num contexto sócio-histórico e designa o outrem como co-participe desse momento que será único e sucedâneo.
No âmbito filosófico encontramos o espaço MESA 18 respondendo constantemente à evolução psicoemocional e à transcendência espiritual com a boa disposição à flor da pele já que se a epiderme é prima facie diante dos estímulos do mundo externo na medida em que o homem se insere e interage, todo o resto do organismo biológico responde ao uníssono; todo o complexo humano emite energia reciclando-a e fisgando-a, ao mesmo tempo, de modo que pareça que o vive, revive e persiste em energizar a vida. É claro urbi et orbe pessoas que tendem a divinizar a vida até o extremo quando na verdade elas querem o fim dela; quem reitera e apela ao fim do mundo ou amealha os pontos da existência com obcecadas propagandas alarmistas sobre tragédias humanas ou catástrofes naturais naturalmente ela reproduz inúmeras vezes seu desejo de desaparecer da vida.
E a vida persiste!
Aqui a vida não é a vida como espontaneidade da biologia e nem é a vida com o seu formato metafísico e alheado a todas as circunstâncias fenomenológicas; a vida se mostra no aqui e agora na sua intimidade sucedânea esquecendo o passado. Tal vez o desígnio filológico do termo saudade ensambla todos os tempos: passado, presente e futuro numa simbiose magnificente regida pela emancipação ao qual o homem aspira e que se lhe apresenta comumente nos momentos de trance, evocação, levitação e momentos de intensa emoção e sentimento.
   Há que tomar conta duas perspectivas no que respeita às emoções. A primeira é que a busca de emoções humanas requere contato com o externo para externalizar; a segunda responde ao estimulo momentâneo num devido lugar em contato, igualmente, com o externo, porém internalizando-o.
Daí devém a memória presente que da o espaço à preterida memória em onde a situação do passado causa graça ou chama à reflexão tendo a certeza que no futuro outro antecedente possa voltar a remeter ao presente vivido projetando o passado misturando-o quantas vezes for possível com exultação de poder viver essas emoções quantas vezes for necessário, com ímpeto juvenil, o carinho, o cuidado do outro, a sanação. Se o tempo é um juiz implacável e imparcial, o espaço é sacralizado pela cura que exala.
   Nada além do tangível e digno de reconhecimento.
   Ainda há coisas que se deve tomar em conta no tocante à MESA como residual no sentido de mesa, tamanho, formato, condição geográfica, uso destinado à colocação de objetos e quinquilharias, função esta que muda de espaço para espaço, de recinto para recinto. Uma mesa de bar, restaurante, lancheria prospecta seu uso a que se lhe destina.
A interposição de elementos constitutivos como a xícara de café, copo de água, garrafas, latas, pratos, pires, cinzeiros, fósforos, isqueiros, telefones celulares, bips, tablets, laptops, guarda-chuvas (embora seja de exclusividade do apoio da cadeira costuma suceder um intercâmbio de interposição), bolsas, guardanapos, paliteiros e fazendo jus à causa da MESA. Misturam-se elementos que identificam seus revelados como papeis, livros, flores, bonsais, souvenires, textos impressos até elementos de feiras de antiguidades dentre outros que fazem parte dessa imensa multiplicidade de pensamentos humanos que combinam harmonicamente, se misturando irrevocáveis e afoitos, entretanto, cada elemento chama a seu identificado por causa de uma dada ocasião em que a toma para si.
   Esses elementos em nada atrapalham a livre realização de feitos e fatos como muitos intuem deliberadamente sem saber mesmo o fim-último a que se destina a reunião dos revelados. Notemos que de antemão haverá julgamentos e sentença repreensível diante da magnitude da proposta em onde uma mesa de lancheria qualquer possa servir de objeto para a investigação terapêutica empírica; cientificamente fatível e tangível à discussão e análise da mesma em onde os atores exercem um papel indispensável e ponderado.
   A resistência será grande e seu combate será de exércitos desiguais em poder e força. Uma luz no túnel é o que revela a situação geopolítica do Brasil como país tropical e em onde o bar, a padaria ou qualquer estabelecimento comercial em sua contextura líquida e social serve de espaço de encontro entre pessoas que nem sempre a freqüentam, mas compele ao consumo de bebidas e comidas; a resposta é constitutiva à sua imagem e semelhança: onde há pessoas reunidas em torno a uma mesa algo está se tecendo. O que diferencia um espaço do outro é seu espírito em essência e aparência, ambas confluindo em direção ao seu fim: a padaria para o café da manhã, o diálogo com o vizinho ou com o dono do estabelecimento, o jornal, o inicio do dia; o bar ou a lancheria para os momentos de relax, distração.

                                                                  IV




   Até aqui uma visão panorâmica da MESA 18 e do que pode ser afunilado para a obtenção de uma substância que a hasteie ao cosmos a qualificação que merece: espaço de funcionamento de uma modalidade de terapia urbana abnegativa e compelida à Literatura, às Ciências Psicológicas, à Filosofia.
   Não se dissemina qualquer empecilho nesse tipo de atividade que já é referencial em quesitos ligados ao xamanismo, às terapias grupais como também ao psicodrama e a arte teatral. Durante toda Historia da Humanidade suscitaram-se encontros massivos. Assim o Mercado de Atenas como as reuniões nas praças públicas em tempos da Commedia dalla Arte na Veneza renascentista. Nas comunidades hippies como nos rituais mágicos dos Bororós é possível encontrar formas primitivas de reuniões massivas com um destino especifico havendo de complemento danças, cânticos, mantras e troca de informações com uma dialética na qual todos ensinam, todos aprendem, todos apreendem. Jogos lúdicos fazem parte do encontro como a livre exposição de pensamentos, sensações, troca de experiências, contar histórias ou narrativas, recitar poesias, tocar um instrumento, gritar, seguir um ritmo: brincar com a vida sucedânea que se da nesse aqui e agora provocando o riso e a dor sem que um (a) nem o outro (a) sejam definidos (as) como liames causalísticos ou conseqüentes.
   No entanto, existe o simbolismo da entrega: entregar o que? Para quem? Com que fim? Aquele que representa a MESA 18 é a figura-chamariz; é ele quem recebe os revelados não com bumbos, pratos e campainhas, mas sim, com a sua própria e clara presença. Não dita às regras de chegada, mas deve ter em mente sempre uma atividade a realizar, a definir um tema, o palatável que deve ser compactuado entre os participantes na medida em que vão assomando seus rostos.
   A figura-chamariz não esquadrinha a analogia intima entre o macro e o micro-espaço; jamais deve provocar interdição em quem queira que esteja a visualizar a mesa e que deseje participar embora haja quesitos naturais de convivência que se devem ser respeitadas, pois do contrario, seria a interposição do caos. Ainda que exista o caos que está em cada um, mas um caos que não é catástrofe nem indisposição; não é um terremoto seguido por tsunami. É o caos natural das coisas, o caosmos, ou seja, o produto final entre o homem e a sociedade e seu nível de reciprocidade. Tal desfalque possa ser a simples projeção de quem se acerca indistintamente à Mesa como se houvessem indistintamente duas cadeiras numa esquina concorrida de uma cidade entre pessoas e correria e, de súbito, alguém a enxergue como uma intervenção urbana ou diferentemente um pequeno espaço convidativo para o descanso dos pés, incite à reflexão ou ao diálogo com um interlocutor.
   Mas aqui não é uma intervenção, sim o é a disposição natural do espaço físico para um fim estabelecido: a mesa marca a divisão natural entre duas cadeiras; a mesa não apenas para duas pessoas senão para quem quer fazer dela o sucedâneo prazer de não-a-sós, sentir-se acompanhado e estimado por aqueles que compartilham esse sucedâneo momento de intensa busca de si e a busca pela sociabilidade harmônica entre seres humanos.
   Ó se as pessoas soubessem de seu estimado valor em tempos de extrema urbanização do ambiente planetário, quanto de graça e de júbilo entre pessoas haveria a tal ponto de assombrar-nos a todos em comum-união!
   Cabe sempre a alguém anunciar a descoberta ou fazer dela ponto de referência. Por isso, sempre há que expressar aquilo que nos é de propriedade e nunca sobre coisas que apenas sabemos pelos livros e nunca o vivenciamos. Por isso há a necessidade de escrever, publicar, propagar as novas idéias que homens de ontem e do hoje fazem emergir como por entre os dúbios véus, cuja alvura invoque em dado momento a veracidade porque a Filosofia deve ser a resposta, a Psicologia a nudez da alma e a Literatura seu registro histórico.
   O autor tem certezas que são dignas de mencionar como, por exemplo, a certeza de que em todos os espaços convencionais do ambiente social haja pessoas capazes de se transformarem em figuras-chamarizes; reivindicando o momento como essencial à capacidade de convergir e quando desprovido de toda razão matemática deixe abrir a flor da harmonia para que as relações sociais sejam prazerosas tendo o mesmo viés curador de uma sessão de xamanismo, de ingestão de substâncias que alteram a consciência para o mesmo fim. Ou então como o psicodrama em onde atores e atrizes se misturam causando um vis a vis de redenção e autogestão da tríade mente corpo e cérebro. A figura-chamariz tem um papel preponderante nesse jogo: tecer ou adentrar nos fios de Ariadne.
   Oportunamente cabe assinalar que há energias freqüenciais dispares com a energia que paira na MESA 18 observado não por quem apenas faz de figura-chamariz, mas sim, pelos componentes que a acastelam dentro e fora de si. N’algum dado momento as energias freqüenciais díspares não farão parte do fluxo aglutinado por cima do quantum da MESA que se estabelece em qualquer tempo-espaço obedecendo piamente às regras da matéria e da antimatéria se for o caso.
   A MESA 18, sua ubiquação, o fim que permeia seu entorno, as regras de convívio e aceitação dependerão unicamente da energia frequencial na qual está disseminada. Cumpre uma função motivacional que vai muito além do circunstancial, do acidental ou incidental numa oscilação de variados elementos que chamam uma ação conseqüente como sentar para beber um café para tratar assuntos tocantes à dialética e seu oposto: a reunião de varias pessoas que compartilham outras bebidas que alteram a consciência, reivindicando a loucura que precede à Filosofia e a Arte.
   Além do mais, uma Antropologia que visa o espaço social e o amplio leque de possibilidades de convergência com a fiúza de inquirir ótimos resultados em decorrência das transferências e dos insights que procede da comunicabilidade. No entanto, expectativas a parte: em todo relacionar-se há abismos implicantes; todo relacionar-se é constitutivo do ser e do estar e proporcional às necessidades. Necessidade e prazer como Bergson¹ já ditava no amplo espectro dos significantes que envolvem a típica frase que bom que é estar junto a vocês, proferido muitas vezes por vozes saciadas de regozijo. Trata-se do envolvimento das amizades, o companheirismo, a mutualidade, a aceitação.
   Quiçá a Consciência Mítica ao qual se refere Joseph Campbell seja justamente o elemento subjetivo do método da razão mítica no qual todos estão rodeados por mandalas espirais, energia circulante em torno à MESA; logo, o mito como elemento objetivo do método que fundamenta a razão mítica. O mito que se funda sobre alguma coisa representativa ou um corpo-personagem representativo, também, oclusivo. “O homem tenta a reconciliação de sua consciência com a condição prévia de sua própria existência (...) a natureza monstruosa desse jogo terrível que é a vida”³
   Temos a função cosmológica: o homem tenta uma resposta para a sua necessidade de dar a si mesmo uma imagem do universo, para que possa compreender o lugar onde vive “função sociológica”: uma forma de manter uma ordem social específica; a “função psicológica”: como guia ou apoio para sustentar os indivíduos do nascimento à morte, através das difíceis transições que a vida humana exige.


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¹. Materia y Memoria, Henry Bergson; Cactus, Serie Perenne, Buenos Aires, 2012.
². Myths, Dream and Religion, Joseph Campbell, 1970.
³. Ibidem.

   Uma quarta função que Campbell enuncia é a de “iniciar o individuo nas ordens de sua própria psique, orientando-o para o próximo enriquecimento e realização espiritual” Esta função é uma das mais importantes das funções por tratar-se de uma função que entranha frutos variados dependendo da disposição e da atitude do individuo em relação ao seu meio social; de um longo período de imaturação e dependência dos indivíduos deforma prolongada e exacerbada pela sociedade industrial, tecnológica, mercadológica cujo meio ambiente urbano aguça a solidão, à desconfiança e às exigências do mesmo meio forma o autômato ou o maquinal, como se refere a esse tipo de fenômenos o filósofo Gilles Deleuze¹ e das quais o homem consciente de si e do meio insta à tendência à libertação daquilo que sabe que lhe causa moléstia.
   De outra parte uma pergunta essencial tocante a todas as relações humanas citada por Bergson numa Conferência² e que também é de vital importância durante essa inquirição: “¿no vemos que nuestras acciones se vuelven inconscientes en la medida en que el hábito las convierte en maquinales?
   A repetição é um assunto de invólucro dúbio e ao mesmo tempo, claro como água que desce da montanha; nela encontramos um fim e um meio de levá-la a cabo. Todo dia acordamos, tomamos um banho, passamos o café e nos destinamos às nossas atividades rotineiras, nossos afazeres. Há uma necessidade das glândulas que incitam ao movimento, à atividade humana seja o trabalho, o estúdio ou a conclusão de uma tarefa seja da índole que for, porém instigando ao principio de realização do ser e ao principio do prazer que traz essa mesma realização. Não é de assombrar ninguém que quando se ganha um prêmio pelo esforço e dedicação a alguma coisa, esse triunfo seja compartilhado por quem alentou a finalidade singular que ensejou tal atividade levada a cabo. O desejo de muitos é o desejo de um formando uma simbiose, uma mandala e uma única finalidade: a finalidade do isto, do aquilo.
   Durante toda a exposição de Campbell notamos que o trabalho da MESA 18 é seu próprio fim através da mesa como elemento social e os micro-elementos que a compõem a mesma como complemento a essa finalidade que não é outra senão fluir pessoas e coisas nessa mandala-espiral que se respira no micro-espaço onde se depara a mencionada MESA 18. Se esta é um mito ou não é algo que está intimamente ligado ao sentir do revelado e nunca enlevado ou imputado pela figura-chamariz, pelo terapeuta, pelo xamã, pelo interlocutor ou por quem quer que seja o guia principal da reunião.
   Ora, que é uma mesa? Um apoio, um auxilio, uma pauta de revelação como o Oráculo ou um ponto de reencontro social como o Mercado de Atenas? O que tornou a MESA18 mitopoiesis dentro de uma ordem social vigente? Qual é o discurso que a MESA 18 tem como discurso do homem, mas ligado às forças sociais que o manipulam? A MESA 18 pode irromper feixes de luz entre os milhares de desesperados de nossa sociedade compelida ao flagelo mecânico e à coisificação? Qual é o seu passado e o seu devir? E se a figura-chamariz deixar de atuar, a MESA 18 tem condições de seguir seu curso, prosseguir sua caminhada para atingir uma denominada meta?






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¹. Derrames entre el Capitalismo y la Esquizofrenia;  Editorial Cactus, Serie “Clases”, Buenos Aires, 2012.
². “Fantasmas de Vivos” e “Investigación Psíquica”. Conferencia pronunciada ante la Society  for Psychical de Londres en    
     28 de mayo de 1913.  Traducción para la Lengua Española: Paulo Ires.    
                                                           V



   Famosos psicodramáticos como Lévy Moreno, Carlos Cossio e Carlos Menegazzo e que hoje são muito estudados por pesquisadores, estudantes e terapeutas, em seus legados deixaram um rasto de um quê sobre as terapias. Por um lado temos o individuo dissoluto como num copo de água e desde onde é possível entender todo seu funcionamento mesclando doses variadas da Filosofia, da Psicologia, das Ciências Naturais como também da Medicina, da Antropologia, da Etnografia e das Ciências Sociais no geral. De outro, a necessidade que o faz ser um ser sociável embora filósofos como Hobbes dizia que o homem não foi circunscrito para o meio e Voltaire logo incite à culpa do meio pelo que o individuo é.
   Especulações à parte. O homem no limiar de sua própria condescendência deve ao meio o que ele é. Externalizar sua proposta de vida atrelando-se às instâncias normativas de uma sociedade que o tornam insidioso diante da condição social em que se encontra ou um ser alienado como sucede com as grandes populações que à risca seguem convenções, muitas vezes não parte integra de seu ser ou simplesmente, se entrega ao bel-prazer das suas descobertas diante do mundo que se lhe apresenta hostil, imaginário e impositivo. Há regras que são produtos da convivência como as Leis que podem criar um ambiente de civilização e dentro delas certas imposições que os homens seguem para manter a propriedade privada como cursor e até estatutos de pequenas comunidades que nem sempre serão aceitas por todos: eis o começo dos embates sociais que diariamente vemos em grandes e pequenas cidades.
   Toda angustia e alegria humana é resultado de todo um processo social em prol de sua satisfação individual ou insatisfação. Devém o mito como “fuga metafísica onde o homem tenta uma resposta sobre o universo para si mesmo dentro de um ordenamento sócio-histórico específico. O individuo encontrando um apoio deseja estar e ser aceito pelos seus pares que aí também estão porque apoio, porque desejam estar e serem vistos.
   Os mitos órficos, os mais obscuros e sobrecarregados provém das profundas fendas do social; portanto a natural conseqüência que advém do mais profundo da psique humana, o mais autêntico de sua proeminente natureza órfica e dionisíaca somente é divisível ao nível minucioso de toda observação, da capciosa comunicação; seus fundamentos amplamente descritos e conformados na lógica da sociabilidade, cume central para esse tipo de investigação, nos condena risivelmente a sermos animais sociais com as desculpas e ressalvas devidas aos seguidores de Zaratustra e outros eremitas e beduínos. Vemos que eles também seguem um cursor e no fundo um viés de querer participar de algo que é de todos.
   Tal vez as tribos mais longínquas da civilização ainda tenham esse intuito de estipular um senso comunitário, coletivo embora suas leis estejam distantes do nosso modo de viver ocidentalizado. Não deixam, por outro lado, de eles serem uma sociedade com suas leis e normas próprias, muitas que assombrariam a qualquer cidadão de Paris ou de São Paulo.
   Essa constituição que permeia os limiares do universo órfico e dionisíaco que podem restaurar o “homem primitivo” se encontra presente nessas reuniões de MESA 18. A grande carga de pathos que surgem com as demonstrações dos indivíduos em torno à mesa funde a capacidade de sociabilidade consigo mesmo e com os demais. Pessoas com profundos problemas de convivência com o tempo deixam de serem-no dadas às condições que se geram; vai depender tanto de quem comunica a existência do espaço supracitado e da abordagem do interlocutor, a pronta aceitação.
   Mas aceitação em contrariedade com adaptação que os psicólogos contemporâneos a situam como fonte de todas as disfunções psicoemocionais e, ao mesmo tempo, a mais aplicada à interação com o outro na vertente de Eros possui seus encalços. Entendamos adaptação como cursor obrigatório de todo ser social: uma pessoa inadaptada, segundo os ditames dos psicólogos contemporâneos, significaria a falta de continuar a seguir o cursor social, confundido como anti-social ou misturado-os com os ditos alienados: nada claro nem para a Medicina, nem para a Neurologia e nem para a Filosofia.
   Ora, a aceitação não é obrigatoriedade de valores já que se destina à dita natureza das decisões, a liberdade de decidir com quem quero estar e com quem quero partilhar a decisão de estar. Ora, a adaptação e a tolerância são acepções do mesmo sentido, mas que não cumpre o mesmo fim: enquanto o adaptado segue à risca a convenção social sem questioná-la, de outro flanco, o tolerante a tolera, se adapta, todavia, não a aceita. A morte de um ente querido é aceita pela própria regra da natureza biológica de qualquer ser vivente, mas torna-se intolerante com o fato de que esse ente querido nunca mais estará entre seus pares e, por tanto, não aceito.
   De conformar-se com a ausência de um ente querido isso é fato para lá das Ciências Naturais, pois não é natural ou inatural conformar-se com a condição de perda, embora seja aceita a circunstância e embora seja adaptada a uma realidade cotidiana. Porém a intolerância com a realidade factual de natureza de todos os seres vivos persiste através dos tempos, a fosforescência continua que faz lembrar a perda desse ser por um conjunto de fatores incluindo até a própria cinestesia.
   Na MESA 18 a tolerância funciona como um ponteiro de relógio onde se marcam as horas e os minutos de prazer ou dês-prazer que nos da um encontro. O que se aceita é o funcionamento desse relógio necessário para incutir dispositivos de coletividade, mas não nos adaptamos, pois a adaptação funciona como anti-horário e obrigatoriedade não é regra a seguir. A transcendência do individual ao vinculo afetivo-emocional e relacional se da por vias expressamente naturais, espontâneas: de nenhum modo se deve obrigar a participar da reunião a quem quer que seja a pessoa, mesmo àquela cuja Lei da Simpatia esteja em desacordo com o pensamento; deve-se de uma maneira ou da outra exigir um ceder para a aceitação do grupo. Esse ceder de provir de ambas as partes para a concretização de um consenso e assim poder determinar a MESA como ponto de restauração e equilíbrio formado por todos em direção a todos.
   O leitmotiv da reunião é o fazer-saber para depois saber-fazer e deixar-fazer; somar e não mais dividir; multiplicar e não mais somar. Ora, restar como sentido de temporalidade: o que me resta de tempo a utilizarei para multiplicar; multiplicar para somar; somar para dividir o tempo. Todo tipo de intolerância é banida dada essa condição, única condição mensurável nesse tipo de terapia urbana seja ela de qualquer origem: racial, religiosa, de orientação sexual, política ou profissional. Todo tipo de inadequação pelas instâncias já enlaçadas nesse texto é despojada de seu próprio intuito até porque por uma razão bem simples: tornar-se-ia impossível demarcar uma reunião de grupo se há alguém com sintomas de inadaptação, inadequação já que pela propriedade da lei de freqüências nenhuma energia flui pari passu com outra energia que não flui senão quando há sinergia. Afora isso é deflagração. Com a sinergia grupal devem a aceitação de todos no meio reunido.
   Como toda duvida razoável descansa na pratica não é conforme à disposição do autor refletir sobre esses temas e sim o é a capacidade de sociabilidade que todos podemos nutrir em prol de um câmbio de visão de mundo, pois em outro molde estaríamos recriando a ladainha do sistema capitalista: cada um por si; então descansamos os pés no sofá da sala onde mora um amigo imaginário.   


                                                         VI



       A figura-chamariz é um identitário da MESA 18 aquele que conhece o espaço: frui, flui e dispensa seu tempo no efeito catalisador determinante da catarse; comportamento afável diante do intrincado vazio existencial produto do irredutível que é o ser humano e o que ele contém dentro de si; abrange o sortilégio compartilhado que insurge de dentro do indivíduo à fora do mesmo. Um depositário de imagens e informações que através de diversos objetos há de saber desvendar o que se oculta trás esses objetos.
      A designação de objeto pelo objeto em si trata-se da maneira objetiva de como se enxerga; podemos acumular objetos sem dar-lhe o devido valor que tem e se tamanho objeto é tratado como objeto e nada mais não haveria o porquê de afincar o termo dentro da materialidade a que se implica. Objetos estão sob os nossos cuidados e não sob a proeminente visão de que o objeto interessa-nos pelo seu uso e não pelo seu valor. Estamos a título de empréstimo e não sob circunstâncias de propriedade.
       É por isso que sociedades que coisificam demais seus objetos (e também as pessoas) acabam incutindo a descartabilidade dos mesmos sem importar-nos se o uso que lhe damos é justo ou tangível ao que premente designamos por descartável. Não há de se negar a matéria sob nenhuma razão que compila pressupostos ou dogmas de estranha procedência. Quiçá o século que nos depara é o século pelo prélio a favor da emancipação total ao interior do homem sobre as coisas, porém refratando o elemento coisa sobre o homem como necessidade condicional e, portanto, o homem responsável pelo uso da coisa e a finalidade.
       Ao ocuparmos o espaço urbano criamos a expectativa de um tal vez em relação ao Outro que está à nossa frente. Ao sermos hospedes num lar tornamos todos os elementos constitutivos que a conformam elementos da nossa casa e, de fato, a consciência nos faz repensar os estímulos das coisas que estão ao interior do lar e que refrata nossa vontade de sentirmo-nos como em casa. Do contrario, tudo o que nos vale é a aparência e esta se desvanece como o sabão na água dando pouca ou nenhuma importância às coisas que visamos como nossas temporariamente.
       Se uma máquina solicita um conserto consertamos e não damos as costas para ela, pois essa máquina é a que nos ajuda a desenvolver uma tarefa dada como, por exemplo, uma máquina de lavar roupa. O correto e verificar seu funcionamento e descobrir sua anomalia. Ora, a exemplo de uma máquina de lavar roupa, a máquina humana e todas suas facetas devem funcionar corretamente; do contrario precisa de uma observação para descobrir que é o que está a compelir uma anomalia, restaurar a parte afetada, testá-la e zelar pelo cuidado. Uma forma de amar-nos anos mesmos para amar os outros. Consertar a máquina para que esta nos dê os frutos desejados atalhando queixumes triviais, pondo em funcionamento todos os sentidos e, conseguintemente, usufruir como é devido de todos os ganhos e dádivas.
        Fato é que as sociedades pós-contemporâneas precisam alternar materialidade e cuidado contrário a materialismo e desaforo. Ser materialista nem sempre é sinônimo de barganha, cobiça, malandragem, esperteza, no fim, egolatria. Ser materialista é, contudo, cuidar da matéria seja esta objetal ou humana.
       Cuida-se das pessoas que amamos porque percebemos nelas um outro eu que é nós mesmos.
       Cuida-se da máquina de lavar roupa porque nos garante roupa limpa e perfumosa, garantia do eu que está apresentável, que projeta sua imagem à semelhança do que a pessoa é ou se torna. Manter um ambiente de ordenança e leveza garante a formação de uma personalidade. Afinal, tudo o que somos é projetado pela imagem e semelhança e se imagem e semelhança são intuitos da natureza humana, tudo o que vemos ao redor não é nada mais e nada menos que nossa interioridade exposta ao mundo externo.
     Ser um depositário é ser cúmplice de todo o que é atingido e confidenciado pelas pessoas; é a junção espontânea do elo que distingue cosmovisão de muitos aos princípios da ética e da estética tornando-o afável e não belo, pois se o belo fosse tudo aquilo que desejamos e projetamos muitas das coisas que vemos numa sociedade não conviria a essa ordem de atributos. Esses atributos respondem aos anseios de cooperação, busca da segurança em comum, troca de experiências e informações, a livre-expressão sem nenhuma imposição nem mensuração de comportamento algo tão de moda no mundo das Ciências Psicológicas, ciências estas que decaem pelo falso procedimento.
         O identitário está em acordo com esses itens outorgando-lhe o dever legitimo de estar sempre presto a intercalar e incentivar a reunião dos revelados em torno à mesa. Uma mesa não é nada mais do que uma mesa, mas o dispêndio do tempo projeta uma identidade ou fenômeno de igualdade, a equação é igual à mesa que transcende com seus revelados em direção à igualdade  
         Dizemos que  e esta equivale à soma de todos os participantes da mesa com ponto de congruência e confluência, ou seja: . Na medida em que mais e mais pessoas se somam a essa cruzada quanto mais identidade e igualdade tanto mais o resultado será junção de todas as partes sob um mesmo paradigma frequencial. Há de se notar que o termo igualdade tão gasto pela retórica política do mundo aqui releva outra acepção, a de igualdade de freqüências em torno a um espaço comum de diferentes ordens tributárias. Em si o pregão igualdade não serve para garantir a catalisação da sociedade, pois em termos nem somos iguais e nem temos a pretensão de sermos iguais diante de outro. Ouso dizer que nem somos iguais anatomicamente e mesmo observando-nos a nós mesmos notaremos impávidos que nossas cartilagens não possuem a mesma medida e que um pé ou uma mão será sempre um talhe à frente ou à trás da nossa medida total do corpo.
         O apego a certas ordens que a palavra impinge nem sempre pode ser submetido a analise da existência embora festejemos a democracia social nada altera a democracia política e econômica, o que faz confundir termos, acepções ou palavras que em seu desígnio natural não compele às ordens existentes. Exemplo disso: utilitarismo não impele que pessoas sejamos úteis à ordem; identidade nem sempre quer dizer exército ou produção em série; igualdade não quer dizer eu sou meu vizinho que é igual ao meu professor. Somos iguais nas diferenças embora sejam essas diferenças marcantes as que nos faz sermos assiduidade, freqüência, chegado e no fim, revelado.
         A MESA 18 com formato quadrado não expele nada que o torne supremo ainda que a única luz visível seja a da alternância conforme a equação disposta na página anterior: criar uma identidade em meio a uma imensa Metrópole como intuito de formar um grupo de pessoas que, sem expectativa nenhuma, buscam um devir fixado pela busca de uma existência livre de angustias, preconceitos, interesses mesquinhos e sofrimentos desnecessários; toda conseqüência de um feito traz à tona a vaidade,mas nenhum ser humano sabe em si os resultados  de suas ações. Ghandi, por outra parte dizia que senão fizermos nada, não haverá resultados.
         Porém a MESA 18 não procura resultados. O que si se busca é o compartilhamento das diferentes ordens e atributos que demarcam a existência e o devir influenciando a figura-chamariz e esta aos revelados. A figura-chamariz participa ativamente em conluio com toda alma, com todo corpo, com todo resquício de indagação que a natureza humana apraz e jamais com a sensação do dever cumprido, pois aqui não há metas estipuladas ou visadas à consagração. Ninguém concorre a ser melhor ou pior; não há o que ganhar nem há o que perder; não há dignos ou indignos; não se faz presente a decência ou a indecência ou qualquer tipo de polaridades banais e trifurcas; não temos nacionalidades, bandeiras, porta-estandartes e nem somos questionadores de discursos, slogans, crenças; não há o snob do status social, poder aquisitivo, barganhas, mensurações a titulo de juiz ou indagador.
         Se a liberdade, na concepção de certas pessoas, é a ausência de limites o termo desemboca no caos retumbante e o caos está justamente na falta de sociabilidade de muitos: caos social. Todo caos social recai no advento de um poder constituído que em si transforma-se numa falácia produto da intolerância e a imersão dos modelos de poder que não se coaduna com o sentir das massas, isto é, a hibridez da ocupação do espaço urbano que é a imagem e a semelhança de um poder seja qual for sua índole. Impele ao complexo sistema sócio-econômico no qual todos estão imbuídos de uma ou qualquer maneira; por tanto, nem há como segá-lo por outra arregimentação, não há nenhuma revolução, nem somos guerrilheiros de nós mesmos, compulsivos a manter um disfarce que diz menos do que somos do que devemos ser.
         Bem dizia o grande poeta Fernando Pessoa: “desconhecer-se é errar, e o Oráculo que disse ‘conhece-te’ propôs uma tarefa maior que as de Hércules e um enigma mais negro que o da Esfinge. Desconhecer-se conscientemente, eis o caminho” 


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