Apresentação sobre exposição imagética
da Agência Mabou35© e seus fundadores os fotógrafos Sergio Matta e Angela Pereira
cuja
busca permanente abre um leque de possibilidades de interatividade com a
paisagem urbana e seus personagens visíveis-invisíveis com o objetivo de contar
histórias que acontecem pelo mundo, interpretar essas mesmas pessoas,
personagens e acontecimentos através de imagens com uma visão individual e
artística de cada cenário e sua realidade publicando trabalhos autorais e
oferecendo projetos artísticos a patrocinadores culturais.
“Ailson
Teixeira da Silva, 18 anos, pelo menos é o que ele se lembra. A primeira vez
que fotografei ele foi na copa do mundo na rua Xavier de Toledo, centro de SP.
Tempos depois, encontrei com ele perambulando pelas ruas dela. Disse que
lembrava de mim e foi com a minha cara, e, que se fosse outra pessoa, ele
quebraria a câmera por estar tirando foto dele. Pediu pra publicar a foto na
imprensa, que eu iria ganhar muito dinheiro
com ela. Toda vez que o encontro, ele pergunta se já publiquei. Contou que
enterrou os 4 avós. Um deles morreu de picadas de abelhas. Ganha uns trocados
puxando a banca de uns camelôs até o estacionamento na rua Guaianazes onde eles
costumam guardá-las. Reclamou que era super pesada. Ele fala com um pouco de dificuldade.
Sofreu um acidente e por isso tem a língua presa e uma cicatriz na cabeça. O
tio matou seu pai por causa de herança. "Dinheiro é amaldiçoado”
O homem sempre tende a
dirigir-se a um ponto firme quando se lhe indaga por seu lugar de procedência,
a origem da qual partiu e o raciocínio sobre sua atual posição marcada de
maneira ínsita pela ubiqüidade geográfica, topográfica e na qual, apesar de sua
invisibilidade, inserido dentro de um contexto sócio-histórico, ele atua como
ser humano que “está-aí” e que a sociedade o contempla, porém continua sendo
aquele estranho ou aparentemente
diferente de nós até nos acostumar com sua presença mediata e imediata. Depreende-se
que nos deparamos com esse ser cuja pátria ele consentiu; cujo pedaço de terra
ele abdicou; cuja casa ele denegou por variabilidades muitas.
A mobilidade humana desde
tempos imemoriáveis sempre foi assunto muito estudado por diversos segmentos da
sociedade. Na Literatura já é contemplada por Homero durante suas gestas e
façanhas heróicas em tempos de Troia. O ser-mítico ampliado pelas crenças
inefáveis aos sentimentos e emocionalidade humanas, bem dizia Joseph Campbell
em “O Poder do Mito” age amplamente sobre o meio social em que o ser humano
encontra-se inserido influenciando-o. É possível sustentar que essas viagens
mitológicas efetivadas por viajantes e peregrinos assim como de migrantes e
imigrantes, mendigos e andarilhos deu vida não somente à História da Humanidade
senão que, e ademais, serviu de fluxo de inspiração para os mais variados
estudiosos sobre o tema. Notamos isso nas confissões messiânicas acerca da
Terra Prometida como no “Êxodo”, a busca da “Cidade dos Césares” ou Cidade
Errante de Victor Fernandez Freixanes onde narra os pormenores de famílias que
saíram de suas terras em busca de ouro, prata e prosperidade. Na Literatura o
encontramos nas “Aventuras de Huckleberry Finn” de Mark Twain, no hobo em “Folhas de Relva” de Walt
Withman, nos excluídos em “Retrato da Casa dos Mortos” de Dostoievsky em onde a
narrativa sucinta ao tratamento que se lhe dava aos ditos aventureiros,
viajantes, imigrantes, ex-presidiarios, mendigos e outros excluídos às margens
das leis e dos governos.
Na Literatura brasileira os
aspectos de mobilidade social, diga-se de passagem, do ambiente rural à
composição urbana foram contempladas em obras como “O Sertanejo” de José de
Alencar em onde os retirantes nordestinos, diante da fragilidade de suas vidas
e os conceitos de ideário romântico provocam um forte questionamento da
legitimidade das oligarquias e as hierarquias de privilégios; a luta contra o
poder baseado no personalismo e no paternalismo ganha força com instrumentos
novos de argumentação em épocas onde o Positivismo estava em pleno auge.
Encontramos algo muito parecido em “O Cabeleira” de Franklin Távora, em “Vidas
Secas” de Graciliano Ramos, em “As
mulheres de Tijucopapo” de Marilene Felinto, a primeira a explorar, em
primeira pessoa, a condição de migrante nordestina em São Paulo. E, de fato,
nesse cavoucar da história nos deparamos com os fantasmas da infância e a vida
adulta desses indivíduos, os maus-tratos dos pais, as condições financeiras, a
falta de higiene, de expectativas e de oportunidades para esses muitos que
ainda vivem nesse sempiterno soçobrar pelas nossas sociedades contemporâneas.
Em
nosso tempo, abrolhadas às mudanças climáticas, a tecnologia, o avatar
econômico graças à evolução da globalização e à liberdade de movimento pelos
avanços em transporte (aéreo, terrestre, marítimo), à influência da mass media, a busca incessante por um
lugar ao sol tornou-se, em última medida, um valor incalculável para essa nova hoste
de homens e mulheres que não mais procuram a Terra Prometida dos que fugiram do
Egito, para esses novos viajantes sem
o deus Hermes, ou a esses novos estranhos dos textos freudianos.
Tratam-se mais do que nada em um claro exemplo de vicissitude para a subsistência;
um outro tipo de existência ancorada na conquista de um pequeno espaço do que no
localismo em si que trouxe à tona uma tipologia diferente de configuração
urbana e social, a saber, a confrontação do cidadão com o próximo que hoje habita nas grandes metrópoles interplanetárias,
quiçá, sem o futuro esplendor que os sistema prega, mas com um passado rico e
ao mesmo tempo, infeliz dos moradores de rua e dos que sobrevivem da rua para
arcar com suas despesas.
Uma das imagens do projeto |
Não bastando essa incidência
localizada existem somenos termos pejorativos que a própria História cunha-os.
Por citar um exemplo, o bum, termo
procedente do inglês usado para estereotipar alguém que não vale nada ou que nunca
faz nada construtivo, ou o vagabundo que evita o trabalho. Mesmo o hobo o errante, o andarilho que
perambula pelas estradas e se detém nos pequenos povoados e vilarejos em busca
de um trabalho circunstancial ou bico.
Um verdadeiro vagabundo gosta de viajar e ele vai trabalhar por comida, um
lugar para dormir, alguns trocados, etc.
Alguns trabalhadores
migrantes são vagabundos, e eles vão seguir as colheitas, à procura de
trabalho, conhecer o país ou a região. Muitas vezes, ele simplesmente está
desempregado e sem um lar para chamar de seu. O termo tramp que é dentro de uma esfera social é o vaqueiro que trabalha
por um tempo, vai de fazenda em fazenda por um tempo X até continuar
perambulando a outros locais ou regiões, etc. Diz-se que um vagabundo é muito
parecido com um mendigo. Ele irá funcionar dentro de um emprego normativo, mas
seu principal interesse está em aproveitar a vida como nas “Viagens de
Gulliver” de Jonathan Swift ou como em “A Prostituta Errante” de Iny Lorentz de
um lugar para outro aventurando, fugindo de um horror ou então, conspícuo
objetivo para alcançar o indizível. De fato, a história da Literatura e nos
estúdios psico-sociológicos de diversos indivíduos as viagens marítimas e as
ferrovias eram, freqüentemente, os meios utilizados de transporte legal para
quem ia a busca de emprego em emprego, de cidade em cidade, aventura trás outra
aventura.
Assim chegamos ao universo
atual desse contingente que permaneceu fora de toda essa esfera sócio-participativa
da sociedade, mas que carregam consigo histórias do passado, mitos, ideais,
sonhos, esperanças tal como o demonstra o fotógrafo Sergio Matta nessas
incursões no Centro de São Paulo não tão diferente a todas essas histórias
narradas por grandes e afamados pensadores, literatos e esquadrinhadores da alma humana. Em sua maioria, migrantes e
imigrantes, tornam a construir um novo modelo de localismo projetado pelo incessante deslocamento à procura de
diversidade de experiência e constituição de territórios sem destruir
identidades coletivas e individuais, empossando-se dessa parte da cidade que
lhe pertence, elaborando sua ética de vida, alterando o discurso social, mas
sem destroná-lo, criando uma multiplicidade de sub-culturas, sem que essa
terminologia tenha acentuação pejorativa. Em qualquer país estrangeiro ou
região pode se sentir, um indivíduo qualquer, como em sua própria casa,
decifrando sinais como em um ato intelectual: requer um certo esforço
espiritual.
Uma das imagens do projeto |
Todas as formas de
associação de seres humanos apóiam-se intrinsecamente e em última análise,
sobre território e sobre associação e que, contrario do que muitos pensam, eles
possuem uma extraordinária organização de independência e locomoção. É o caso,
por exemplo, dos sem-teto ou homeless que
são parte ativa dessa independência precípua e estimulada por uma mínima
esperança de ter um lar, uma família, um ponto de apoio e nada mais do que
natural se o vemos do ponto de vista biológico e sociológico do ser humano.
A exposição “Diversidade e
Território” é um excelente visualizador desses modos de vida alheios à vida da
grande maioria de paulistanos e não-paulistanos, mas que de fato, é um
excelente mediador entre essa população que convive junto conosco, um quebrador de paradigmas, um foco
instigador de olhares e procedências com o intuito de causar uma ruptura entre
o visível e o invisível e com isso, derrubar todo preconceito e formalidades.
Em última análise, a arte, principalmente, em se tratando de arte imagética,
pode estimular a humanização do olhar
ao redor do nosso universo e começar a perceber que existem outras realidades e
que nem mais nem menos são vidas e vidas que podem ter uma semelhança e
contigüidade tão próximas de cada um em nossas vidas. Basta apenas ver esse olhar do diverso no mesmo território em que pisamos durante o nosso
cotidiano.
Ludwig Ravest é chileno, escritor, estudou filosofia na Universidade de Santiago e atualmente vive e trabalha em São Paulo.
Ludwig Ravest é chileno, escritor, estudou filosofia na Universidade de Santiago e atualmente vive e trabalha em São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário