quarta-feira, 15 de outubro de 2014

CORRENTE - "Por que, mesmo, odiar o PT?" - por Fábio Zuker

O Partido dos Trabalhadores (PT) tem sido objeto de ataque de diversos setores da sociedade: alguns o acusam de comunismo, outros de se tratar de uma quadrilha corrupta, outros tantos, por fim, de ser um partido que compra votos com comida. Este pequeno ensaio tenta levantar hipóteses e pensar as contradições envolvidas nos ataques cegos ao partido, sobretudo levando em conta que sua política econômica nunca prejudicou os interesses das classes dominantes.
Por Tito Oliveira - instalação da série Influência Indireta -
"Filtros" - tv, moedas, cédulas, torneiras de metal, madeira,
pistola e globo geográfico - 165x125x92cm - vitrine da
Casa-Museu Solar Santo Antônio - Salvador - 2005
Há alguns anos, me afastei dos estudos de ciência e de sociologia política para trabalhar em centros culturais e no campo das artes visuais. Não obstante, a maneira como penso minha atuação no meio cultural está sempre vinculada a questionamentos políticos, os quais buscam muito mais levantar questões que buscar respostas. De modo análogo, não procuro uma explicação ao ódio ao PT, mas apresento fatos e interpretações, tentando levantar questões a respeito do que existe por detrás dessa repulsa total aos atos positivos realizados pelo partido.
Antes que o leitor considere o autor um petista, esclareço que, de modo geral, não me interesso por nenhuma forma de organização partidária e que, de modo específico, tenho ressalvas claras quanto a política do governo Dilma em diversos temas, sobretudo na maneira como retranspõe o desenvolvimentismo para a atualidade, ignorando a temática ambiental, a demarcação de terras indígenas e sua recuada na defesa da legalização do aborto. Acredito, porém, que esmiuçar o ódio de uma parte da sociedade contra o PT – incapaz de reconhecer as grandes mudanças sociais e de estabilização da economia – pode nos ajudar a entender um pouco do atual contexto político social do país.
Desenvolvimento social com desenvolvimento econômico
Um dos fatores mais interessantes dos doze últimos anos do atual governo federal do PT (dois mandatos de Lula mais um mandato de Dilma) é a maneira como se conseguiu aliar crescimento econômico com diminuição das desigualdades sociais. Poderíamos dizer que o governo Lula-Dilma (que aqui será, um tanto quanto grosseiramente, visto mais em suas continuidades que em suas rupturas) tentou, e de certo ponto devista conseguiu, coordenar tendências contrárias no campo da economia política. Em bom português: conseguiu agradar a gregos e troianos.
Políticas como o PAC (Programa de Aceleração ao Crescimento) e programas sociais como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida lograram a gerar níveis de crescimento econômico que ao mesmo tempo favoreceu a elite e ajudou na criação da tão falada nova classe média. Um dos efeitos mais marcantes dessas políticas sociais pode ser sentido nos novos hábitos de consumo (compra de eletrodomésticos mais sofisticados e viagens ao exterior por parte de uma parcela da população apta a pagamentos parcelados), mas, sobretudo, com notícias como as da última semana: a redução drástica da fome no país – o que por si só pode ser considerada como a mudança mais efetiva desde o final da ditadura (clique aqui para saber mais a respeito).
Simultaneamente, o governo Lula-Dilma nunca ameaçou o poder da elite estabelecida, como fica claro com os recordes de lucros batidos pelos bancos brasileiros, como o Banco do Brasil, o Bradesco e o Itaú, que apresentou nesse último agosto o segundo maior lucro na história dos bancos (clique aqui para saber mais).
Delfim Neto chega a afirmar que o PT salvou o capitalismo no Brasil. Coloco minhas reticências, pois o capitalismo não se encontrava ameaçado. De qualquer forma, seguramente, o PT não constitui uma ameaça.
A questão que merece então ser investigada é, diante de um panorama de aparente melhoria geral dos índices sociais e econômicos, o que leva uma parte da população a apresentar um ódio banal e quase sem argumentos contra o PT? Digo quase sem argumentos, pois o setor da sociedade que mais se encontra afetado pela política desenvolvimentista do partido (os grupos indígenas e ambientalistas), não são grupos que mais recebem atenção midiática nem nas conversas cotidianas nas críticas ao PT.
A ameaça comunista
Um dos aspectos mais interessantes, e talvez também um dos mais delirantes do debate, é a tentativa difusa de vincular o PT ao comunismo. Diante do exposto na seção anterior, podemos apenas concluir que o PT se encontra no espectro político de uma Social Democracia, como a desenvolvida na Europa antes da crise de 2007.
Frases como ”O PT quer transformar o Brasil em Cuba!” ou ”O PT compra votos com pratos de arroz e feijão” demonstram uma incompreensão que não me parece inocente por uma parte da população acerca das medidas sociais levadas a cabo pelo governo federal nos últimos 12 anos. Contrariando argumentos que veem o Bolsa Família como uma mera continuação de políticas de votos de cabresto, a psicanalista Maria Rita Kehl em sua coluna no Estadão em 2010 (clique aqui para lê-la), demonstra que se alguém se considera em uma situação econômica mais privilegiada com o auxílio do Bolsa Família, quer dizer que antes vivia com menos de R$200,00 por mês – ou seja, muito abaixo da linha da miséria. Assim, tal programa deveria ser entendido mais como de ajuda humanitária que social.
Não estamos diante de nenhum tipo de ditadura do proletariado, tampouco medidas políticas que ameacem a elite, mas sim de um partido que avançou medidas sociais para classes menos favorecidas, tentando coordená-las com crescimento econômico.
Obviamente, o fato de o PT ter o passado que tem – ser um partido formado por massas de trabalhadores, greves e sindicalistas, um movimento que começou das ”bases da sociedade” e que tinha uma foice e um martelo em sua bandeira – influência para que algumas pessoas o identifiquem como um partido comunista. O que, vale repetir, não passa de um delírio: utilizar argumentos mccartistas contra o PT ignora o grande malabarismo que o partido vem tentando fazer em alinhar uma política capitalista agressiva e desenvolvimentista com medidas sociais – a tal falada social-democracia.
A Corrupção
Se tentar vincular PT com comunismo parece ser realmente o ponto mais delirante dos críticos ao partido, o esquema de corrupção montado durante o governo Lula (e agora investigado durante o governo Dilma) parece ser um dos pontos mais relevantes da crítica que se propõe minimamente honesta.
O PT, é fato, incorreu no pecado da corrupção e merece, por isso, ser criticado e julgado: mensaleiros, bem como os envolvidos no ainda sob investigação esquema de corrupção da Petrobrás são criminosos. O que não me parece sensato é considerar o partido como inventor da corrupção no país. Ouso dizer que a mídia não dá a mesma atenção, e não trata com o mesmo sensacionalismo os casos de corrupção tucanas e petistas. Ouso também dizer que existe uma má vontade política, para não irmos muito longe, no que se refere ao julgamento dos casos de corrupção tucanos: o cartel no Metrô de São Paulo ou o chamado Mensalão Mineiro.
Como mostra a detalhada reportagem da revista Piauí (clique aqui para ter acesso ao conteúdo): o Mensalão Mineiro está na origem do Mensalão Petista. O mesmo esquema de aliar compra de votos e corrupção foi inventado em Minas Gerais, durante o governo tucano de Azeredo e, pasmem, com o mesmo arquiteto: Marcos Valério! Não por acaso, o Mensalão Petista foi convenientemente julgado após a prescrição do Mensalão Mineiro.
A corrupção no Brasil não foi inventada pelo PT. PSDB, PMDB e outros partidos são também extremamente corruptos, e um debate político sério levaria em conta as condições sociais e dispositivos políticos que permitem a ocorrência e a impunidade da corrupção no país. Identificar a corrupção única e exclusivamente com o PT é uma atitude contraproducente para o debate político.
Os Donos do Poder
Resta a pergunta: por que então o ódio ao PT?
Se estivermos diante de um partido que conseguiu ”dar aos pobres” sem ”tirar dos ricos”, o que faz com que determinados grupos sociais como aqueles saudosistas do tempo dos militares, ou certa parte da elite econômica dirigente, estejam fazendo de tudo para destruir a imagem do partido – com o grande apoio da mídia? Convido o leitor a imaginar o que a mídia estaria falando, e o que estaria sendo discutido na esfera pública, se o Governo do Estado de São Paulo que faliu a USP e secou os reservatórios de água fosse do PT, e não do PSDB.
Não quero responder perguntas. Acredito ter levantado pontos suficientes para que cheguemos ao menos a um ponto: o descrédito público do PT não parte de uma análise das políticas implementadas pelo governo, mas de algum sentimento que a priori busca negar toda e qualquer política do partido, por princípio.
Como caminho de reflexão, deixo a minha opinião extremamente pessoal, e que caminha em dois sentidos. O primeiro diz respeito ao campo exclusivamente político: pela primeira vez na história do Brasil, desde Lula, o corpo de governantes da sociedade não é formado pela classe economicamente dominante, mas por pessoas que são originárias de suas bordas. Embora seja plausível supor que petistas tenha enriquecido, e outros, como os Suplicy, realmente façam parte de elites históricas, a grande maioria (Lula, Gushiken, Dirceu, Genuíno, Dilma entre tantos outros) não são originários nem das oligarquias rurais que ainda mandam no país (grosso modo organizados sob a sigla do PMDB), nem da burguesia modernizadora (grosso modo relacionados a sigla do PSDB).
O segundo ponto diz respeito a uma percepção da classe média-alta, de que seus privilégios já não são mais tão exclusivos quanto sempre foram. A expressão ”esse aeroporto está parecendo uma rodoviária”, tantas vezes ditas e escutada, é um sinal disso: hoje, alguém que há quinze anos passava todos os meses sem saber como iria pagar o aluguel de sua casa, consegue pagar uma viagem parcelada em 24x ao exterior. O atual sucesso econômico do país criou um fenômeno interessante de aumentar a riqueza dos mais ricos, e diminuir a dos mais pobres, engordando o meio da pirâmide de renda – o surgimento dessa nova classe média – e, ao mesmo tempo, alongou sua ponta. Novos hábitos de consumo e de lazer perturbam certas heranças coloniais de nossa sociedade, em que os privilégios da pequena burguesia encontram-se ameaçados. Para sustentar minha opinião, basta ver a reação de partes da sociedade às leis que regularizam o trabalho de empregadas domésticas.
Não busco tecer, aqui, mero apoio ao PT. Busco, sim, uma crítica àqueles que, para destruir a imagem do partido, rebaixam o debate político. O PT deve ser criticado, absolutamente, e nos pontos em que é falho: política ambiental, política com relação às populações indígenas, incapacidade de desmilitarizar setores da sociedade como a aviação civil e as forças policiais, conivência com as elites rurais, entre tantos outros pontos. Mas não em fantasias que queiram descreditar suas inegavelmente vitoriosas políticas sociais.
* Fábio Zuker é pesquisador e crítico cultural. Formado em Ciências Sociais pela FFLCH-USP faz seu mestrado em Arts et Langages pela École des Hautes Études en Sciences Sociales. Suas pesquisas se desenvolvem em diversos formatos, sobretudo em artigos e ensaios, projetos curatoriais e mostras de cinema.
A publicação original do texto pode ser vista aqui

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