quinta-feira, 9 de outubro de 2014

CORRENTE - p r o j e t o - "Paralelo 46: Um Enfoque Fotográfico Da Rua Augusta" - por Ludwig Ravest


“O Paralelo 46 é a localização geográfica das ruas Augusta e Luiz Coelho. Cenas e personagens num espaço não muito maior que 30 metros.
Na foto, Bahia e a Tatiana. Ele tem uma banca de dvd na calçada um pouco abaixo do bar BH. Ela veio do nordeste e estuda para ser atriz. Nesse dia abordei ela porque vi que carregava uma pequena caixa colorida e passava de mesa em mesa oferecendo algo que havia dentro para as pessoas. Ela me disse que eram bombons e que oferecia as pessoas em troca de uma doação pois nesse mês não tinha dinheiro suficiente para pagar a mensalidade da escola.”

© Sergio Matta / Mabou35


Foto: Sérgio Matta
Houve um pensador e psicanalista britânico nascido na Índia, que enfatizou o seguinte: “a mentalidade grupal é a expressão unânime da vontade do grupo no qual cada indivíduo contribui por maneiras das quais ele não se dá conta (...) sendo um grupo sem líder embora cada um deles seja capaz de construir uma ponte, acrescenta a aptidão do ser humano em estabelecer profundos inter-relacionamentos que geram uma dinâmica, transcendendo aos indivíduos e elementos que a constituem, instituindo uma entidade a parte do socialmente aceito”. 


Esse pensador era Wilfred Bion. Com este axioma ele perfeitamente poderia retratar o significado do Paralelo 46, a Mesa 18, a Rua Augusta inserida em um marco dentro de uma imensa Megalópole; um espaço fincado dentro de uma urbanidade legitimamente estabelecida em cujo cerne propõe a de impulsionar os instintos e os desejos que se manifestam quando ao estiver reunido dentro de um agrupamento, torna possível todo e qualquer intercâmbio proposital ou não. E, de fato, colocados no molde da regência do respeito às diferenças, padrões de intercâmbios que sem pretender alterar o livre fluxo da sociedade com seus regulamentos e normas as personagens criam seus instantes de dialética e movimento. São pessoas que executam atividades sociais das mais variadas, pessoas que foram contempladas dentro do universo da arte, no caso a Fotografia e a Literatura com o fim de auscultar esse pequeno espaço dentro de uma rua interativa como é a emblemática Rua Augusta.
                    
A horizontalidade dos relacionamentos é um dos principais conceptos dentro de balizamento compatível com a de semelhança e a de contigüidade; personagens do cotidiano da Cidade de São Paulo que criam e recriam suas vidas e que em um dado instante eles se transformam em pessoas dentro de uma circunstância expressa: cumprem uma função dialógica, humana, fértil e circunscrita à posição de meros atores inseridos em um contexto histórico-social.
                    A memória do escritor não nasce nem se dissipa: é ato pela própria palavra. Assim, a lente fotográfica é ato pela própria imagem. Esse é o objetivo principal dos fundadores do “Projeto Paralelo 46 Um Enfoque Litero-Fotográfico da Rua Augusta”, neste caso, os fotógrafos paulistanos Sergio Matta e Ângela Pereira e, quem escreve essa apresentação, o autor chileno Ludwig Henríquez, e sua vasta obra em onde faz um registro de situações e momentos relevantes quando ao encontro com essas mesmas personagens na denomina Esquina do Mundo.
                    Como já e de conhecimento de muitos que hão seguido a trajetória dos autores, através das páginas das redes sociais dentre outros mecanismos de comunicação virtual e impressa, o que está vivo em ambas as artes é a memória-lembrança: o olho desacostumado à observação do céu devido às interferências estruturais da grande Metrópole torna plausível a contemplação criativa do olhar urbano em onde pessoas e elementos permitem a confluência ampla da diversidade: a noite com suas interfaces, a Rua Augusta com sua complexidade de texturas, cores e acontecimentos que oscilam entre o grotesco e o sofisticado, as dessemelhantes personalidades e ilações, os sons e suas projeções musicais, os espelhos e seus movimentos céleres, seus momentâneos e mutáveis abstrações, a fronteira que divide a apoteose apolínea e dionisíaca, os ensejos imbuídos de eufemismo e contrariedades, como igualmente, de gozos e afabilidades.
                    A modelagem que a visão do fotógrafo e a pena do escritor perscrutam tem como fundamento principal de que o agrupamento de pessoas é uma produção constante de realidades psíquicas, uma realidade distinta e relativamente independente da realidade dos indivíduos que a constituem durante suas funções cotidianas. Aqui os indivíduos não são resgatados do anonimato e nem são atraídos a adotar um dado roteiro. A espontaneidade é o leitmotiv que interpela à escrita e à fotografia. A incidência e o acaso são a marca registrada ancorada na livre e expressa vontade dos personagens em querer aparecer sem as limitações decorrentes das exigências da coletividade, preservando suas intimidades e cuja exposição  se orienta mais para um registro, para um “direito de aparecer”, dando, para tanto, seu consentimento durante o pleno exercício de liberdade de movimento e convergência através da fala e da permanência.
                    E, por último, last but not least, como material íntegro de registro, as palavras e as coisas, a necessidade de um enfoque diverso ao já dito e impresso em jornais e revistas sobre a Rua Augusta, fazem do “Projeto Paralelo 46”, o único elo de participação e manutenção das relações sociais marcadas pelo encontro absoluto para a criação, o escritor que contempla de forma ativa o já retroexposto com a inusitada pena e a fotografia, sua lente assaz expressiva, dão em conjunto um contorno de pluralidade e democracia: são homens, mulheres, crianças das mais variadas classes sociais, gostos, pensamentos, emoções, individualidades admitidas com plena consciência do saber diante do espectro da cidade em onde nos tornamos anônimos até o instante em que um mínimo detalhe de nossas aparências faça cair por água-abaixo todo discurso de igualdade.
                    A Rua Augusta como modelo precípuo de observação das pessoas e de elementos torna possível uma obra imagética e narrativa dado que é o espaço de lazer, cultura e ponto de encontro de paulistanos e não-paulistanos com o intuito de atravessar a linha tênue que separa o eu do próximo fazendo do eu o outro tal como uma vez o afamado escritor Arthur Rimbaud já tinha enfatizado: eu é um outro.
                    Sentado à Mesa 18 nesse infinitesimal espaço da Cidade de São Paulo, transbordado de cores, luzes, sombras, carros, asfalto, prédios, palavras emuladas e sorrisos afáveis ou controvertidos, mendigos, profissionais, artistas, artesãos, mesas, cadeiras, copos, garrafas, gritos, sussurros, paixões, amizades, personagens, chuva, vento, calor, música e um sem-fim de manifestações da alma humana: tudo isso interessa quando a lente do fotógrafo e a pena do escritor estão prontas para registrar a história do homem comum que é aquele faz a historia de todos.


Ludwig Ravest é chileno, escritor, estudou filosofia na Universidade de Santiago e atualmente vive e trabalha em São Paulo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário